Esta prosa que se segue não foi gravada, publicada, anteriormente, mas pode facilmente ser confirmada e verificada por vários moradores da ilha da Madeira, ainda que em off the record, para consumo pessoal e transmissível, sendo esse o caso. O buraco das contas públicas, do governo do senhor que faz da política um ofício de jardinagem elementar (cultivando plantas ornamentais e ocupando-se da sua manutenção), não é nada de novo; nada de que não suspeitássemos, mas faltou-nos tomates de ferro para investigar e reivindicar direitos fundamentais.
Melhor, falta-nos um organismo de transparência das contas públicas de uma certa e tão propalada democracia. Países tão jovens na arte da igualdade política, como o Brasil (onde as estatísticas de corrupção passiva e activa são uma espécie de pão nosso de cada dia; e às vezes pão amassado pelo diabo) têm um organismo independente que se chama Agência Transparência Brasil para fuçar o que andam os milhares de políticos brasileiros a fazer com dinheiro público. Ali, podemos monitorar o dinheiro que sai, como é gasto, quando, onde, como. Até os cartões individuais concedidos pela União são rastreados.
O ano passado precisei de saber das contas públicas de um certo cônsul/diplomata e o Ministério dos Negócios Estrangeiros negou-me peremptoriamente o acesso a essa informação. Apelei ao direito de saber o que se passa com erário público e até hoje estou à espera de uma resposta. Troquei de continente e deixei, mea culpa, o caso adormecer à espera de melhor dias, outro fôlego e outra garra e um motivo para levantar de novo o vespeiro. Parece, também, que não é nada de novo, embora até hoje nenhum meio o tenha conseguido provar, por falta, claro, de acesso, ao relatório de orçamento ministerial.
A segunda premissa na arte de Jardinagem, plagiada por outros autarcas com menor ou maior leviandade, é o cultivo do silêncio, do medo, e da mordaça.
O ano passado, M., madeirense, crítica compulsiva do governo do senhor mascarado de Vasco da Gama no último Carnaval, falou-me da cultura da mordaça dos seus conterrâneos, quando ele/ela se lembra de se indignar e pedir quase uma subscrição oral que legitime que ela/ele não estão com os fusíveis queimados e que aquilo que ao redor se passa, na ilha, é nada mais nem menos do que um exercício de autocracia legitimado em escrutínio pelos próprios madeirenses.
No café, não fales alto rapariga que alguém pode ouvir-te. Na rua, não digas isso mulher que eles andam aí. Em casa, não digas tal coisa que algum vizinho pode ouvir-te e fazer queixa. Ela bem alto fala, diz que já foi prejudicada no local de trabalho, diz que há pressão diária, diz que há uma ditadura silenciosa que se vive na Madeira. E que ninguém fala. E que muitos têm medo, porque o meio é pequeno.
Nós já vimos este filme, ainda não era eu nascida, bem o sei. Mas muito ouvi a minha avó contar das reuniões do PC em que o meu avô participava, antes do 25 de Abril. A minha avó tinha medo e pedia para ele se calar. A minha avó tinha medo do que fizeram ao Silva, o vizinho, que saiu para a rua um dia para distribuir um pasquim do movimento e nunca mais nada se soube dele. A minha avó tinha medo, mas nessa altura vivia-se uma ditadura, com quase cinco décadas de património inculcado. De mordaça e lápis azul. De tortura e lavagem cerebral. De homícios e domesticação das massas. Na Madeira de hoje, que eu saiba, vive-se o XIX Governo Constitucional. Vive-se?
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