vanessa rodrigues, 2011 |
Começo pelo fim para falar do princípio. Embora o término de uma viagem não seja necessariamente o ponto final, mas dois pontos para o fôlego que aí vem. Ainda que, por estes dias, haja pouco dele, encalhado numa crónica sonolência com horários trocados, como se os ponteiros do relógio andassem numa orgia surrealista, talvez a mesma da tela de Dali, espetada na parede do MomA, numa convicta, mas liquefeita, persistência temporal.
Às onze da noite o relógio biológico teima em dizer que ainda são seis tarde e que não entende por que razão não há rua ao redor cheia de neóns e vida, mas antes uma luz esmaecida, persianas tiranas recolhidas, almofada sedutora, vestida na sua melhor lingerie, lençóis a sussurrar um "revolve-me"; e a pacatez de noite de quem pôs o disco nocturno: um eco de silêncio, interrompido por passos atrasados, e gatos entre folhas a apressarem-se para ficar pardos, em íntima cumplicidade com os candeeiros de ténue luz.
Há, portanto, esta contraditória vivência interior (que parece um enxerto de porrada) a que os entendidos chamam dessincronia, ou, ainda mais chique, uma alteração do ritmo circadiano: Jet lag.
Tenho, pois, de convencer, agora, o relógio cerebral, conversar "tu-cá-tu-lá", com muito jeitinho, com o núcleo supraquiasmático, abrindo a porta do hipotálomo, pé-ante-pé, sem incomodar as vizinhas glândulas pituitárias.
Basicamente, sintonizar a antena desta casa.
Por ora, nota-se algumas interferências e um "clac" baixinho, como agulha a deslizar em vinyl. Agora que reflicto sobre isto - e na possibilidade de este fim se tornar o início de uma série de crónicas sobre um mês nos EUA - ocorre-me que, de facto, isto não é nada de novo, já que a caminhada tem sido uma lenta e diária sintonização de frequências de tempo, horários, vidas, sincronias e dessincronias. Algumas disfuncionais. É, a minha vida cabe num Jet Lag; em geografia-atlas.
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