Podemos sempre ter o mundo à porta de casa e não o percebermos de imediato. Acontece-me, frequentemente, achar que o Porto está mais cosmopolita do que nunca, e que o mundo, as pessoas, as etnias, as línguas, a multiculturalidade, nunca tiveram tanta identidade, e nunca estiveram tão dispersos, como nunca. É o meu lugar de referência, apenas, um pedaço dessa ideia de que o mundo está nos passeios das ruas, basta olharmos com atenção. A ser verdade, a meu ver, ao meu olhar, o mundo está em todas as cidades, em pequenas aldeias, porque somos gente que sofre da mesma maneira.
Mas é um erro comum e pessoal de contemporaneidade. Não podemos analisar a contemporaneidade fazendo parte dela assim, com esta efervescência como pastilha de Vitamina C que tomamos para ver se a gripe vai (foi o que fiz hoje de manhã, daí a pertinência da palavra). Ou seja, é um erro porque as temporalidades dão pequenos saltos, mas os problemas, as dúvidas, as preocupações são demasiado semelhantes – e com eles as contemporaneidades. Então, ocorre-me que, ciclicamente, o mundo, a vida, o dia-a-dia, as pessoas (e não são necessariamente a mesma coisa) pelo movimento inevitável do fluxo da gente de um lado para o outro, são homens e mulheres sem fronteiras e estiveram desde sempre, desde o boom para seres que respiram e tomam vitamina C efervescente, com o mundo à porta de casa.
Então, os elementos mínimos de nós, gente, passam sempre à nossa porta: judeus, brasileiros, portugueses, franceses, muçulmanos, libaneses, rock-billies, imitações de Elvis Presley, Emos, Hello Kities, punks, espanhóis, nordestinos, católicos, evangélicos, swingers, vegetarianos, zen budistas, cabalistas, sportinguistas, boavisteiros, actores, actrizes, jornalistas, jornaleiros, homens-do-lixo, moradores de rua, loucos, taxistas...
Às vezes, penso nisto, e volto a esquecer-me. Como alguém já se deve ter esquecido por mim, noutra contemporaneidade. Relembro-me de cada vez que faço o trajecto inevitável da Avenida Paulista até à porta de casa e me detenho no já ritual cliché, entre amigos, para explicar onde moro, e para explicar a Rua Augusta, como síntese de São Paulo e, no fim das contas, como metáfora sobre o Brasil e da co-existência das raças, tribos, ou lá o que isso seja. O ritual para chegar a casa, paredes-meias num perímetro de 100 metros é este: primeiro passo a Igreja Evangélica, depois o Vegetariano, Cinesesc (sala de de bom cinema alternativo), o bar de swing Nefertiti....e eis a entrada do prédio onde moro.
Sucedeu que hoje apercebi-me que, no fim das costas, somos todos o mundo, e estamos todos à porta uns dos outros da mesma forma, porque somos todos gente com dúvidas, a tentar encontrar a melhor forma de passar por esta vida como se ela fosse um pouco a nossa casa.
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