sexta-feira, novembro 12, 2010

Hilda, o Amor


Até disseste uma vez que querias ser agarrada. Um homem que te agarre como deve de ser. Não com a força de uns braços rijos, como dizia a Leila

-Um cara tem de ter pegada, assim você sabe se é homem de verdade -

mas com o Amor. Que te desse a volta à órbita pessoal e estivesse disposto a tratar-te como uma deusa. Que esteja ali, presente, a conquistar-te nas mais pequenas coisas e, sem que te apercebesses, já estavas para lá do muro do Olimpo. A responder à dívida abnegada. A responder no mesmo fio invisível do dois. Ah, até pensavas que me tinha desgastado da palavra Amor? Que, por isso, a coisa poderia ficar ridícula ao usá-la? Tu, a mulher das cartomâncias e das palavras justas para cada episódio da novela pessoal? Assim, ficas a saber que não há nada que seja ridículo no Amor, Hilda. É genuíno, e no genuíno até podemos ser um pouco ridículos - se achas que a palavra se ajusta - mas não nos podemos queixar de não estarmos a viver e a agarrar o oxigénio com todo o fôlego. É um gerúndio, enquanto dure. Sabes, quando se agarra o oxigênio com todo o fôlego tudo acaba por fazer mais sentido, do que estarmos a lamuriarmo-nos por coisas que nunca aconteceram, nunca vão suceder, ou que poderíamos ter feito. Um paliativo para nos expiarmos.

Queremos a absolvição do que não fazemos, procurando um bode expiatório que nos deixe mais sossegados, porque, porra, dá trabalho ser feliz. Dá trabalho amar. Dá menos trabalho lamentarmo-nos e sermos infelizes. Sobretudo sozinhos. Queixamo-nos, é certo, e tornamos-nos azedos e fazemo-nos mal porque não sabemos o limite (e que tropeçar é normal, mas melhor é aprendermos a levantarmo-nos do chão como profissionais da queda: com sorte tornamo-nos gatos no malho) só porque dá muito trabalho esquecermos todas as diferenças dos outros para vivermos junto; e o orgulho é um cabrão de um mau conselheiro. Deixa-nos sempre no buraco. Para de lá sairmos precisamos quase que nos cavem. 

Haverá alguém disposto a cavar-nos? Não Hilda: tens de esgravatar com as unhas e, por vezes, podes não conseguir de lá sair. Lembras-te da última vez? Terra cor-de-cobre, fofa e por isso revolvida de tantas mãos e dedos, que acabou por se condensar. E tu não conseguias sair de lá. Gritavas, gritavas, mas ninguém te ouvia. Achas que alguém ouve as dores do amor?

Quando disseste que querias ser agarrada era isso que querias dizer: que te levem ao delírio do amar, e que te faça sentir as picadas quentes dos olhos a fechar, porque não se aguenta tanto afecto de olhos abertos. É preciso fechá-los para que os outros sentidos comecem a ter trabalho. Foi aí que me disseste o que ele te disse. Mesmo depois de tantos anos, a cumplicidade está lá, percebeste, nas mesmas pequenas coisas. Mesmo separados, o tempo entre vós não passou. Podem viver separados, sim, até podem, não pensar um no outro, como o fizeram, como o fazem, mas, quando se aproximam, tudo volta, e com isso a cumplicidade. Talvez o amor seja isso, Hilda, não achas? Vá, deves saber! Talvez a cumplicidade seja mesmo isso, não há tempo que lhes desgaste as molas e as dobradiças que os enrosca, mesmo que só oleadas no instante do reencontro. Não foi só isso. Deixaste para o fim o melhor que ele te disse: 

- Tenho saudades de te aquecer o corpo e afagar a alma. Sossegarias, como sempre sossegaste. Perdoa-me!

Ainda lhe respondeste Hilda com um silêncio. Sorriste.

-Deixavamo-nos estar pelo céu um tempo.

Muda, pensavas que ele tinha razão e que, no fundo, não havia nada a perdoar. Vês Hilda, alguém que te agarrasse.   

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