Dizem que a forma como escrevemos tem muito a ver com a forma como sentimos. Com a forma como olhamos. Com a forma como caminhamos. Eu sou um bocado sôfrega-contemplativa. Tem dias! E tem dias em que não vejo, faço por não sentir nada, não olhar nada. Só caminhar, para que a janela da cabeça se abra. Caminhar. E, mesmo que não queira, com tanta a gente a roçar o mesmo ar que respiro, lado a lado, eu invento uma outra forma de sentir, ver, olhar. Não invento, faço de conta, para ser rigorosa. Esforço-me mais um bocado para tentar lá chegar.
Sinto, então, o que está dentro da caixinha do pensamento. Transporto-me para lá e tudo ao redor se torna alheio, a não ser que aconteça alguma coisa de maior, que me obrigue a sentir, a ver e a olhar, saindo da caixa da cabeça, para a caixa do que acontece, e onde estou na primeira fila, como fã atenta da minha vida. Nem sempre escrevo o que realmente vejo. A auto-censura silenciosa é uma coisa lixada. A auto-censura insconsciente, uma tirana, é uma coisa obnóxia. Um homenzinho que esfrega as mãos, arregala os olhos e dá uma daquelas risadinhas, em falsete, com os dentes arreganhados. Já estou ouvi-lo, admito. É como quem diz:
- Já te estou a cortar detalhes das mensagens subliminares que não vês, não sentes e nem porás nunca os olhos em cima. Caminha lá, então!
Eu caminho, vou. A caixinha está lá. Quando quero voltar a ver o que, realmente, acontece à minha volta, penso que tenho de escrever aquilo tudo, tão sôfrego-contemplativo. Chego a casa, sento-me e deve ser defeito de ter estado na primeira fila como fã do filme da minha vida, mas em fast-forward. É um filme de uma vida inteira. Não podemos nunca lá voltar, com rigor. Não consigo transcrever um frame do que vi, senti, olhei. Caminho, portanto. Contento-me em caminhar...
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