Por Vanessa Rodrigues @
É quando a informação declina que os boatos invadem os ânimos. Histórias contrárias. Em colisão. Medo, pânico, receio. A ansiedade contamina a comunicação. Os relatos aumentam. E dispersam. Perdem rumo e acabam no centro do caos. No limite do raciocínio. E jazem planos sobre uma tábua rasa de ausência de provas de facto. O perigo existia sim. Estava disperso pela cidade como uma caixa de pandora. Sem centro. Ou lógica! (E tem de haver lógica?) E sim. Foi um cenário inédito em São Paulo. No Brasil. O que acontece, por vezes, no Rio, nunca teve esta escala. Dizem os entendidos.
Às 9h da manhã, de anteontem, cada um já tinha a sua história. A tia que passou em frente a uma agência bancária “metralhada” e foi a correr para casa, com medo. O marido que não conseguiu chegar ao trabalho, mesmo depois de três horas no trânsito. A escola do filho que ia encerrar mais cedo. “Estão fechando as escolas e liberaram os meninos. Vou pegar eles e seguir p´rá casa”, realçava Y. Colégios de portas fechadas. Universidades que interromperam as aulas. A sogra que saiu a correr na Rua Teodoro Sampaio, no centro, porque “os bandidos” estavam a passar de moto e a ordenar que as pessoas fossem para casa. (Depois falou-se que a ordem tinha sido da polícia. E mais tarde especulava-se que talvez tenha sido boato, lançado pelos próprios lojistas, inquietados pelos acontecimentos).
Às 15h o shopping aqui em frente, mesmo no Itaim, estava vazio. Os comerciantes não sabiam o que fazer. Hesitavam. Acabaram por fechar. E as faces estavam pintadas de uma sensação de surpresa; e zelo hiperbolizado. A cidade do caos. Da disfuncionalidade. Do deserto histórico. “Nem na repressão”, ouviu-se no hall. O burburinho dos corredores deixava adivinhar o tema do falatório. Aqui e ali ninguém se concentrava. Quando a Internet deixou de funcionar, convenientemente, a meio da manhã, já se especulava: devem ser "eles" (bandidos!!!). O servidor foi abaixo. Já se faziam pequenas piadas. Humor sarcástico sobre o caso. Uma espécie de lei de murphy a favor do PCC. Depois alguém disse que a mulher de X, que trabalhava na Telefónica relatou que as linhas de Internet foram cortadas. Mas depois a net voltou. E começou a sobrecarga das caixas de email.
O dia passou num ápice. Acelerado. E de respiração inquieta. Ofegante! Inundado da forma mais fácil de declinar a sensatez: pânico e insegurança. Os olhares cruzavam-se numa adrenalina de interrogação. “Como se pode sair daqui?” Depois, as empresas dispensaram os colaboradores mais cedo. “É porque a coisa está ficando séria, então!”, ouvia-se. Ninguém conseguia sossegar. Serenar e manter-se de mente fria. As linhas de telemóvel sobrecarregaram. Os mais tardios na arte de partilhar (o que estava a acontecer) não o conseguiram fazer. “O que se está a passar; não consigo falar com meu namorado”, confessou Z. “Ele está na rua fazendo matéria. A R. mandou ele prá lá. Caraca! Putz! Tá uma confusão danada”, acrescentou N.
A rádio era a melodia das salas de trabalho. As últimas da TV eram o centro das atenções. A informação circulava, circulava. E as emoções colapsavam.
À hora da saída do trabalho (e escola), o trânsito começou a inundar as pequenas ruas; as grandes avenidas e a mais pequena ruela. Todos saíram ao mesmo tempo. E queriam evacuar-se da rua. Cem metros prometiam 20 minutos de espera. À luz do dia as montras estavam mascaradas de portadas de aço. Plenamente fechadas. E tudo ansiava a calma do lar. Onde ainda havia a sensação de se estar seguro. E sim: foi o pânico que infernizou e causou o caos. E sim: foi a imprensa que exarcebou a situação, também. E claro: foi esta contaminação sensacional que entrou no canto da lógica para a adormecer. Agora, Sampa começa a respirar normalidade, no rescaldo da crise de segurança. E hoje, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou num dia o que demorou três anos. O quê? Projectos que aumentam o rigor da segurança pública. Talvez para evitar, depois do ensaio, a estreia absoluta do caos urbano.