O lugar onde vivemos, há-de dizer muito sobre aquilo que somos, ou melhor sobre aquilo em que nos podemos tornar. A freguesia do Bonfim fica no Porto Nascente, tem 3,05 quilómetros quadrados, 35 mil habitantes mais um (eu, que não estou registada), uma biblioteca, duas estações de metro, uma faculdade de belas artes, um colégio de órfãos, uma Arca D’Água de Mijavelhas, habitantes sempre acelerados (salvo o homem do laço, que todos os dias lagarteia na esplanada do campo 24 de agosto), sete supermercados, dez farmácias, quinze talhos e o café do senhor Manuel. Consta ainda que tem um monumento ao Viajante Profissional de Vendas, no Largo da Moreda, um Museu Militar, uma escola de hotelaria, nove centros religiosos, entre capelas e Igrejas, sendo uma Adventista, outra Evangélica e as restantes Católicas. Já daria para fazer um encontro ecuménico, portanto. E parece que, às vezes, a Junta de Freguesia tem “Revista à Portuguesa”, no pequeno auditório, e exposições fotográficas de Tiro com Arco. (O que ando eu a perder, deus meu e os santos de férias).
A pé, o Bonfim fica a cinco minutos do centro principal portuense, mas eu creio que as coisas não seguem, exatamente, a mesma lógica do resto da cidade, por exemplo no vocabulário, esse seu jeito de falar. Tudo me leva a crer que os moradores do Bonfim são humoristas profissionais. As mulheres bonfinenses sobretudo. Quem assim não nasce, há-de tornar-se na certa, assim que aqui more. É um bairro onde as formigas têm atacado as residências com afincada dedicação que está para durar (nem a minha fotografia-macumba as demoveu de tal empreitada, mas eu prometo ser implacável), mas não admira para um lugar que cresceu em torno de um Monte chamado de "As Feiticeiras" e com uma Igreja dedicada ao Senhor do Bonfim e da Boa Morte. Tudo contradições, ou congruências, que dariam boas piadas, claro está.
Ainda hoje, por exemplo, a ajudante da florista Luz-e-Flor afiançou-me, enquanto enrolava uma gerbéria azul (coisas estranhas acontecem por aqui, experiencio) que as suas férias lá “nos Algarves” foram uma miséria.
- Ela: Mais valia ter ficado em casa, do que fazer mais de 500 quilómetros para ver chuva algarvia. E entrar no mar, menina? Aquilo era um sarrabulho de algas. Pimba e pimba, tínhamos de afinfar as pernas para cima, sabe-se se lá se o mar tinha ouriços. Era uma lonjura para ir tomar banho.
Já a dona Albertina, lampeira e pimpolha com uma cesta vazia, antiga, em cima do balcão do café do senhor Manuel, assegura que agora já não tem de regar os tomates do marido, pois a chuva garante-lhe o serviço.
- Ela: Olhe lá, todos os dias, ter de ir lá, regar os tomates do meu marido.
E desata num riso de quem faz plateia de vinte espectadores. Mais adiante, na Farmácia Firmeza, a farmacêutica Isabel troca-me as ideias. Peço-lhe um Centrum Feminino e ela diz que não conhece.
- Ela: Não quererá antes dizer Centrum Mulher?
- Eu: Sim, claro, mas não deixa de ser feminino, pois há o masculino, que tem outros complementos vitamímicos, certo?.
- Ela: Não, não é a mesma coisa. Dizer Centrum Mulher é mais...forte, mais digno. É um Centrum com Tomates, mas para mulher!
Estão a ver que tipo de piadas vos esperam, certo?
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