Vanessa
Rodrigues
Não
usa carros ultrassónicos, nem saltos quânticos, ou sequer
transmigrações da alma. É mais simples do que se imagina: a
técnica que a Lis usa para viajar no tempo é a do portal
alfarrábio. Perscruta sinuosas reentrâncias das estantes e consegue
fundir-se de tal forma com os livros que, num ápice, é magnetizada
pelos poros livrescos, por onde respiram gerações de palavras.
Recentemente desenvolveu outra façanha, que carece, porém, de
reconhecimento académico: desaparece no labirinto de estantes em
casa dos amigos. Pior: entra-lhes nas prateleiras cerebrais para
sumir-se nas obras que eles descobrem. Foi assim que eu, ao abrir o
livro “Os
antepassados de alguns cinemas no Porto”,
de Alves Costa (1975) dei com uma fotografia de Lis vestida de homem,
bigode aprumado, paletó, relógio galante e ar dandy, a comprar, num
quiosque, moedas secretas para entrada no cinema Passos Manuel.
Cinematógrafo esse que, à meia-noite, dispensava as mulheres
casadas, mudava de público e transformava-se em music-hall só para
homens.
“...vinham
as espanholas saracotear-se (...) e algumas meninas muito conhecidas
e apreciadas temperar a solidão do forasteiro isolado.”
Bailarinas,
charutos, whisky e alguma safadeza. “No
primeiro decénio do século XX, o Porto tinha teatro de zarzuela,
teatro lírico, teatro de revista, teatro declamado, espectáculo de
variedades, concerto musicais, circo e cinematógrafo”.
Como
antropóloga diligente tomou notas mentais e chegou mesmo a
divertir-se com o fato de ninguém ter dado pelo embuste, que isto de
trazer o futuro para tempo passado e de viver o que já foi, através
dos livros, pode mudar o curso do tempo. Não é por acaso que,
depois de regressar, Lis sentiu um vazio nostálgico: Onde
esmoreceram os dias de variedade cultural, a arma fina contra
ditaduras liberais?
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