quinta-feira, novembro 15, 2012

teoria da poupança, salvo uma excepção


Não sou saudosista, pelo contrário. Acredito no presente como imperativo de um passado e de um futuro. Tento olhar em diante. Sou curiosa pelas novidades, mas tenho uma necessidade de memória, de raízes e persisto na importância da aprendizagem contínua, como um ciclo da natureza. Outros, antes de mim, já viveram as alegrias, as angústias, os amores, desamores, paixões pelas coisas e pelo conhecimento, avidez de imortalidade e sabedoria, a eternidade de um beijo, o prolongamento de bom momento, enfim, que o tempo não tenha tempo.

Em rigor, as vivências humanas, qualquer que seja o contexto, com maior ou menor grau de sofrimento, compaixão, sensibilidade, tolerância, sorte e justiça, terão sido quase sempre as mesmas, porque os nossos mecanismos neurobiológicos, mais ou menos desenvolvidos, assentam numa função fisiológica que é sobreviver a todas as intempéries, satisfazendo necessidades básicas.

Os bons livros, que refletem, pensam e, assim, nos ensinam a importância da memória coletiva, ou mesmo a história dos nossos avós, dos pais, dos registos que temos a sorte de um dia desvelar, isso nos sussurram. Não somos mais que uns e outros, podemos, sim, deixar uma marca, e fazer desta nossa missão uma forma de partilharmos caminhos. E ele deve ser feito a sorrir, sem mágoas, opressões. Temos direito a isso.

Impõe-se tamanha reflexão de botequim só por causa de uns lenços de homem que vi, hoje, na vitrine de uma casa de meias, a € 1,60. Nesse instante, que durou segundos, veio-me todo este exercício mental, levando-me por caminhos onde, de certeza, se deu um hiato temporal, no sentido de uma teoria da poupança até às minhas memórias de infância.

De imediato, lembrei-me que os lenços, e as fraldas, tal como os guardanapos que ainda temos em casa, eram de pano e que eram reutilizados, depois da lavagem. Lembrei-me que só se comprava roupa por necessidade, um par de cuecas, p.e.g, que deixou de cumprir funções de resguardar as partes, ou as peúgas, ou um anorak, ou umas calças de ganga, e mesmo essas levavam remendos que era uma maravilha de moda. Outra tendência eram os rissóis que a minha mãe fazia de dois em dois meses para congelar, ou a bola, ou as pizzas e outras coisas caseiras (como os iogurtes) que já não me lembro, como forma de poupar na alimentação. Ou até mesmo os tupperware que serviam para guadar restos (nunca mais esqueci um paté de peixe delicioso que a minha mãe inventou a partir de umas sobras). Fazia-se também muitos bolos de laranja, limão e coco, tartes de maçã. A sopa sempre abundou na casa, e, ainda, dura a semana inteira. Sempre houve muita fruta e groselha para fazer sumo, ou batidos.

Ocorre-me isto, também, na mesma medida, em que os meus avós diziam, a semana passada, que conseguem comer toda a semana, por menos de € 40. E eu fiz as contas: entre sopa, pão, massa, arroz, carne, peixe, ovos, legumes e fruta, mais uns luxos que podem ser queijo e chocolate, sempre a cozinhar em casa, com água, gás e eletricidade e, bem vistas as coisas, há que dar razão à poupança.

Depois, dizia-lhes eu, deixamos de reparar as coisas. O ferro estraga-se, compra-se outro. A Varinha mágica deixa de fazer magia e encostamos para canto para enferrujar até que temos de comprar outra. Qualquer que fosse o eletrodoméstico, arranja-se conserto. Temos vícios, temos luxos e estamos mal habituados, é um fato. Pagamos mais impostos, estamos a perder direitos sociais, temos, na verdade, menos qualidade de vida e mais preocupações auto-infligidas. Serão, pois, esses mais fatos. E , como tal, acredito na poupança assim, não como forma de sobrevivência, mas como exercício elementar de um equilíbrio de vida lógico, saudável e humano. A única coisa em que não poupo, pois, é no Amor. E isso também se lê nos livros: é linguagem universal, passado, presente, futuro, isento de taxas, políticas, ideologias e idade, aprendizagem contínua, ciclo da natureza.

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