Não
sou saudosista, pelo contrário. Acredito no presente como imperativo
de um passado e de um futuro. Tento olhar em diante. Sou curiosa
pelas novidades, mas tenho uma necessidade de memória, de raízes e
persisto na importância da aprendizagem contínua, como um ciclo da
natureza. Outros, antes de mim, já viveram as alegrias, as
angústias, os amores, desamores, paixões pelas coisas e pelo
conhecimento, avidez de imortalidade e sabedoria, a eternidade de um
beijo, o prolongamento de bom momento, enfim, que o tempo não tenha
tempo.
Em
rigor, as vivências humanas, qualquer que seja o contexto, com maior
ou menor grau de sofrimento, compaixão, sensibilidade, tolerância,
sorte e justiça, terão sido quase sempre as mesmas, porque os
nossos mecanismos neurobiológicos, mais ou menos desenvolvidos,
assentam numa função fisiológica que é sobreviver a todas as
intempéries, satisfazendo necessidades básicas.
Os
bons livros, que refletem, pensam e, assim, nos ensinam a importância
da memória coletiva, ou mesmo a história dos nossos avós, dos
pais, dos registos que temos a sorte de um dia desvelar, isso nos
sussurram. Não somos mais que uns e outros, podemos, sim, deixar uma
marca, e fazer desta nossa missão uma forma de partilharmos
caminhos. E ele deve ser feito a sorrir, sem mágoas, opressões.
Temos direito a isso.
Impõe-se
tamanha reflexão de botequim só por causa de uns lenços de homem
que vi, hoje, na vitrine de uma casa de meias, a € 1,60. Nesse
instante, que durou segundos, veio-me todo este exercício mental,
levando-me por caminhos onde, de certeza, se deu um hiato temporal,
no sentido de uma teoria da poupança até às minhas memórias de
infância.
De
imediato, lembrei-me que os lenços, e as fraldas, tal como os
guardanapos que ainda temos em casa, eram de pano e que eram
reutilizados, depois da lavagem. Lembrei-me que só se comprava roupa
por necessidade, um par de cuecas, p.e.g, que deixou de cumprir
funções de resguardar as partes, ou as peúgas, ou um anorak, ou
umas calças de ganga, e mesmo essas levavam remendos que era uma
maravilha de moda. Outra tendência eram os rissóis que a minha mãe
fazia de dois em dois meses para congelar, ou a bola, ou as pizzas e
outras coisas caseiras (como os iogurtes) que já não me lembro,
como forma de poupar na alimentação. Ou até mesmo os tupperware
que serviam para guadar restos (nunca mais esqueci um paté de peixe
delicioso que a minha mãe inventou a partir de umas sobras).
Fazia-se também muitos bolos de laranja, limão e coco, tartes de
maçã. A sopa sempre abundou na casa, e, ainda, dura a semana
inteira. Sempre houve muita fruta e groselha para fazer sumo, ou
batidos.
Ocorre-me
isto, também, na mesma medida, em que os meus avós diziam, a semana
passada, que conseguem comer toda a semana, por menos de € 40. E eu
fiz as contas: entre sopa, pão, massa, arroz, carne, peixe, ovos,
legumes e fruta, mais uns luxos que podem ser queijo e chocolate,
sempre a cozinhar em casa, com água, gás e eletricidade e, bem
vistas as coisas, há que dar razão à poupança.
Depois,
dizia-lhes eu, deixamos de reparar as coisas. O ferro estraga-se,
compra-se outro. A Varinha mágica deixa de fazer magia e encostamos
para canto para enferrujar até que temos de comprar outra. Qualquer
que fosse o eletrodoméstico, arranja-se conserto. Temos vícios,
temos luxos e estamos mal habituados, é um fato. Pagamos mais
impostos, estamos a perder direitos sociais, temos, na verdade,
menos qualidade de vida e mais preocupações auto-infligidas. Serão,
pois, esses mais fatos. E , como tal, acredito na poupança assim,
não como forma de sobrevivência, mas como exercício elementar de
um equilíbrio de vida lógico, saudável e humano. A única coisa em
que não poupo, pois, é no Amor. E isso também se lê nos livros: é
linguagem universal, passado, presente, futuro, isento de taxas,
políticas, ideologias e idade, aprendizagem contínua, ciclo da
natureza.