Não me lembro de ter alguma vez sentido o bafejo de uma noite branca no Porto. Quando galopava a adolescência, ou mesmo com a juventude ensaiando o prelúdio da vida pelos poros, eu não tinha autorização para sair até altas horas, logo, muito menos dormir fora do poleiro. E as noites da Queima das Fitas não interessam a ninguém, tendo em conta, aliás, que nada me lembro da única noite em que saí, no rescaldo do término de uma relação de seis anos.
De certa forma, não ter acontecido uma aurora ao meu olhar na cidade é, isso sim, penso-o, uma blasfémia, uma grave falha, se tivermos em conta que essas são já incontáveis suplementos da minha memória pela passagem na cidade tropical que nunca dorme, onde vivi quase o tempo em que cresci, praticamente, a descobrir a vida com o meu primeiro namorado, em tenra idade.
Quis o acaso que, recentemente, tivesse uma certa amostra semanal de como as manhãs despertam no inverno, ao atravessarmos a ponte do Infante, librando pelo Douro, às 7.20 a.m., anunciando pois os humores que hão-de vir do dia que se espreguiça, as lágrimas que poderão brotar, a indelicadeza que poderá porvir de irascíveis nublosas, ou por outro lado, o viço ternurento que poderá dela transpirar, como quem salta da cama pujante, depois de um abraço de amor, ou íntimo enroscar de corpos, esbanjando sorrisos e partículas tão luzidias, quanto a suavidade de um sincero e generoso beijo.
Os sábados ao alvorecer têm cores que o technicolor ou a pigmentação não conseguem reproduzir fielmente. Se a máquina cerebral pudesse revelar, ato contínuo, em célere instantaneidade, a imagem do que realmente vemos, teríamos, acredito, um sem número de reproduções a desafiar a temperatura de cor da nossa própria biologia.
Posso dizer, por isso, que ando a colecionar manhãs submersas, aos sábados. E, a avaliar pelos parcos e distraídos companheiros de autocarro pelo sono ou preguiça, posso orgulhosa e exclusivamente reivindicar para mim a proeza de o fazer. Ver as gradações de laranja-fuchsia, abraçado pelo rendilhado das casas pontiagudas, ainda somo sombras pinceladas, como arquétipos, que povoam as margens do Douro, no horizonte plácido, dormente, a tornarem-se num viçoso azul-elétrico, é privilégio de começo de dia.
Esta última semana, por exemplo, posso jurar que as cores dançavam no horizonte em rosas fugidios, vermelhos relampejantes, numa sintonia tão além da minha conceção de cores e tonalidades que quase posso arriscar dizer que a natureza, e seus secretos humores e seres, tem especial sabedoria nas formas de viver, escondendo os seus melhores momentos, esses íntimos, para quem os souber degustar, por acaso, ou sincronia inexorável que só a sensibilidade dá. Por exemplo, se atentarmos com muita atenção e respeito, podemos mesmo ouvir o respirar de uma manhã.
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