segunda-feira, julho 28, 2008
Um vento de outros tempos roça na cara. Cheira a mineral. Águas vadias resfolgam por entre pedras lapidadas de correntes acirradas. Metes a mão na água. O Poço das Fadas. Perguntas onde andarão elas. E que cores são aquelas que se agitam em líquidas ondas engolfadas. As mãos não reagem. Planam na brisa silenciosa. Ouve-se a Araucária a crescer, ainda. O fóssil vivo em vias de extinção, dizem. O céu está mesmo ali. Basta que te deites no chão. Vês manchas nele. Mantos folheados de novas texturas. É quase como se tocasses. Sopraste. Moveste as nuvens com um silêncio. Mais outro. Este!
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foto por vnrodrigues,
Julho 2008,
Minas Gerais,
Vale Matutu
sexta-feira, julho 25, 2008
Tratado de Manicure [.1.]
Ih, você viu só? Vem cá! Olha isso! Uau! Caramba! Que horror parece um lagarto!
Pois é ! A mulher está um esqueleto e ela era tão bonita. É viciada em malhação.
É mesmo! E a outra é um exagero também! Olha só a cinturinha. Aqui tá dizendo que ela tem um quadro clínico de anorexia. Já se sabe disso há muito tempo.
Pois é! Estas famosas é só isso que se sabe delas. Estica, encolhe; e essas daqui um esqueleto.
E esta Madonna parece mesmo um lagarto. Olha só a pele dela toda cheia de altos e baixos. É músculo né? Mas com essas veias todas salientes e a pele branca, branca, branca dela, parece é mais um lagarto com pernas.
E você foi no médico da outra vez: Não? Naquele dia que você se sentiu mal? E deu de novo? Nossa! E você não foi? Como assim você já se habituou. Não rola. Não pode não. Tem que ir! Tem que ter cuidado com essas coisas!
É eu começo a ver tudo muito escuro. Começo a ver as cores se arrastando! E vou com elas.
E mesmo assim não foi no médico?
Ah, não! Era dia do meu rodízio. Tinha que estar em casa às 17h em ponto, senão tava ferrada! Ah é e depois já me habituei, não disse não. Deve ser do medicamento que tô tomando. O médico disse que daria isso. Agora lembrei: ele disse até para eu não dirigir.
Folheia a revista. Passa cuspe. Vira a página. Olha, olha. Ainda mais perto.
Olha este vestido horroroso. Não vai nada bem com a loira. Que falta de gosto! Nada condiz com nada. E você ainda preocupado que minha blusa não condizia com a gravata. Está na moda não combinar. Por que é que eu vou-me preocupar. Se algum fotógrafo me pegasse e: “clique” pegasse uma chapa, eu estaria mais do que "fashion".
Ai amor! Me chega o casaco vai! Posso colocar o vestido novo? Ai que óptimo. Você pega para mim para não estragar a unha. Vai amor!
Levanta. Desfila. Sobe a saia rosa velho. Nada bem com aquele cabelo loiro. É mesma que ainda há pouco estava entediada com a falta de combinação do vestido da loira da revista. Pavoneia-se. Cintura malhada. Cintura vespada. Olhos vadios, superficialmente fúteis. Utéis. Inúteis! Mas o corpo ainda tem utilidade para o “amor” do lado. Aquele que faz todas as vontades para que os desejos sejam ordens na cama. Hum?
E você vai pintar claro ou escuro?
Pois é ! A mulher está um esqueleto e ela era tão bonita. É viciada em malhação.
É mesmo! E a outra é um exagero também! Olha só a cinturinha. Aqui tá dizendo que ela tem um quadro clínico de anorexia. Já se sabe disso há muito tempo.
Pois é! Estas famosas é só isso que se sabe delas. Estica, encolhe; e essas daqui um esqueleto.
E esta Madonna parece mesmo um lagarto. Olha só a pele dela toda cheia de altos e baixos. É músculo né? Mas com essas veias todas salientes e a pele branca, branca, branca dela, parece é mais um lagarto com pernas.
E você foi no médico da outra vez: Não? Naquele dia que você se sentiu mal? E deu de novo? Nossa! E você não foi? Como assim você já se habituou. Não rola. Não pode não. Tem que ir! Tem que ter cuidado com essas coisas!
É eu começo a ver tudo muito escuro. Começo a ver as cores se arrastando! E vou com elas.
E mesmo assim não foi no médico?
Ah, não! Era dia do meu rodízio. Tinha que estar em casa às 17h em ponto, senão tava ferrada! Ah é e depois já me habituei, não disse não. Deve ser do medicamento que tô tomando. O médico disse que daria isso. Agora lembrei: ele disse até para eu não dirigir.
Folheia a revista. Passa cuspe. Vira a página. Olha, olha. Ainda mais perto.
Olha este vestido horroroso. Não vai nada bem com a loira. Que falta de gosto! Nada condiz com nada. E você ainda preocupado que minha blusa não condizia com a gravata. Está na moda não combinar. Por que é que eu vou-me preocupar. Se algum fotógrafo me pegasse e: “clique” pegasse uma chapa, eu estaria mais do que "fashion".
Ai amor! Me chega o casaco vai! Posso colocar o vestido novo? Ai que óptimo. Você pega para mim para não estragar a unha. Vai amor!
Levanta. Desfila. Sobe a saia rosa velho. Nada bem com aquele cabelo loiro. É mesma que ainda há pouco estava entediada com a falta de combinação do vestido da loira da revista. Pavoneia-se. Cintura malhada. Cintura vespada. Olhos vadios, superficialmente fúteis. Utéis. Inúteis! Mas o corpo ainda tem utilidade para o “amor” do lado. Aquele que faz todas as vontades para que os desejos sejam ordens na cama. Hum?
E você vai pintar claro ou escuro?
quarta-feira, julho 16, 2008
Mundo mud.erno!
Czap! Czap! Passa o torniquete. Hora de ponta. Elevadores: lotação esgotada. Fila de espera. Saída de emergência. Escadas do lado. Vazias. Sem eco. Bom dia! Boa tarde! Boa noite. O céu é o mesmo. Não há céu. Andares. Aqui não há tempo. Só trabalho. Afazeres. Quefazeres! Ar condicionado. Lixo. Papel. “Sustentabilidade”. Sustentável. Poupe Água. Poupe ar! Poupe(-se)!Caixotes do lixo sem sacos. Mulheres de touca. Uniformes. Andares. Elevadores. Vai subir? Subsolo 1. Subsolo 2. Subsolo 3. Ar sem ar.
Comunicação Corporativa. Agressiva. Regressiva. Corporação! Alcatifas. Cheiros fabricados. Odores homogeneizados. Espaços higienizados. Casas-de-banho do lado do computador. Descarga. Sanita. Papel higiénico. WC avariado... Fila de espera. Abre a porta. Empurra com força. Portas trancadas. Luz artificial. As janelas são computadores. Ou os computadores são janelas. Mundo fabricado. Tempo. Tempo. Tempo. Internet. Tudo sobre nada. Nada sobre tudo, repetido em oito deitado: i.n.f.i.n.i.t.o......... Tudo! Ar! Esquizofrenia Colectiva. Colectiva e-s-q-u-i-z-o-f-r-e-n-é-t-i-c-a. Uma janela. Duas. Três. Multiplicar outras enquanto carrega a página. Upload. Download! Já que ali não há janelas, abrir mais uma no ecrã; Outra!
Está lenta! Internet preguiçosa, ociosa, estéril, inócua, parida vazia. Telefone! Estridente. Vozes mecânicas. Frases automáticas. Sem sorrisos. Sem ânimo. Metálicas. Formatadas. Constrangimento. Invejas indomadas. Dinheiro escorregado. Um balão de ar. Bolhas envolventes. Trancas na porta. Abrir a porta devagar para não incomodar. Entre sem bater. Bata sem entrar! Falar no messenger com a pessoa do lado. Mandar email para formalizar. A palavra oral ressonante. Palavra oral perdeu moral. Selar com a palavra escrita. Sem aperto de mão. Sem olhar. Deteriorada. Sem crases. Acentos. À distância de uma janela: “microcomputador”.
Ecrã branco. Asséptico. Anti-séptico. Amaciador de roupa matou a pele. Curar os cheiros antes que seja tarde. Tarde é o tempo, sem tempo! Você atende? Irritar. Para ontem? Irascível! Para hoje? Lei do menor esforço. Maior esforço resulta em stress! Stress senta. Rebola. Dá a pata. É o bobo da corte. Espera: stress é o chefe do gang todo. A parede. Silêncio. Máquinas-relapso. Contumaz. Lapso. Equívocos esforçados. Desculpados. Chegar tarde. Chegar cedo para impressionar. Impression-ar, ar, ar! Horas extra. Madrugar! Humilhar! Os outros! Ah, esses! Medos! Intrigantes conversas intrincadas, promiscuamente comprometidas. Não ficar atrás. Competir. Perder a noção da pele. Silêncio. Nada dizer para não comprometer. Opiniões higienizadas.
Assépticas. Esperar. Criticar. Definhar. Falar dos outros para que a culpa não seja dele. Viver na invejada carapaça do vizinho. Definhar, definhar, definhar. [ar?; ar?] Fazer da queixa a religião colectiva. Manipular. O telefone toca. O dia vai. Esquecer. Escurecer! Já! Foi. Passar batom. Fazer a descarga. Este lugar está avariado!Não entrar!
Comunicação Corporativa. Agressiva. Regressiva. Corporação! Alcatifas. Cheiros fabricados. Odores homogeneizados. Espaços higienizados. Casas-de-banho do lado do computador. Descarga. Sanita. Papel higiénico. WC avariado... Fila de espera. Abre a porta. Empurra com força. Portas trancadas. Luz artificial. As janelas são computadores. Ou os computadores são janelas. Mundo fabricado. Tempo. Tempo. Tempo. Internet. Tudo sobre nada. Nada sobre tudo, repetido em oito deitado: i.n.f.i.n.i.t.o......... Tudo! Ar! Esquizofrenia Colectiva. Colectiva e-s-q-u-i-z-o-f-r-e-n-é-t-i-c-a. Uma janela. Duas. Três. Multiplicar outras enquanto carrega a página. Upload. Download! Já que ali não há janelas, abrir mais uma no ecrã; Outra!
Está lenta! Internet preguiçosa, ociosa, estéril, inócua, parida vazia. Telefone! Estridente. Vozes mecânicas. Frases automáticas. Sem sorrisos. Sem ânimo. Metálicas. Formatadas. Constrangimento. Invejas indomadas. Dinheiro escorregado. Um balão de ar. Bolhas envolventes. Trancas na porta. Abrir a porta devagar para não incomodar. Entre sem bater. Bata sem entrar! Falar no messenger com a pessoa do lado. Mandar email para formalizar. A palavra oral ressonante. Palavra oral perdeu moral. Selar com a palavra escrita. Sem aperto de mão. Sem olhar. Deteriorada. Sem crases. Acentos. À distância de uma janela: “microcomputador”.
Ecrã branco. Asséptico. Anti-séptico. Amaciador de roupa matou a pele. Curar os cheiros antes que seja tarde. Tarde é o tempo, sem tempo! Você atende? Irritar. Para ontem? Irascível! Para hoje? Lei do menor esforço. Maior esforço resulta em stress! Stress senta. Rebola. Dá a pata. É o bobo da corte. Espera: stress é o chefe do gang todo. A parede. Silêncio. Máquinas-relapso. Contumaz. Lapso. Equívocos esforçados. Desculpados. Chegar tarde. Chegar cedo para impressionar. Impression-ar, ar, ar! Horas extra. Madrugar! Humilhar! Os outros! Ah, esses! Medos! Intrigantes conversas intrincadas, promiscuamente comprometidas. Não ficar atrás. Competir. Perder a noção da pele. Silêncio. Nada dizer para não comprometer. Opiniões higienizadas.
Assépticas. Esperar. Criticar. Definhar. Falar dos outros para que a culpa não seja dele. Viver na invejada carapaça do vizinho. Definhar, definhar, definhar. [ar?; ar?] Fazer da queixa a religião colectiva. Manipular. O telefone toca. O dia vai. Esquecer. Escurecer! Já! Foi. Passar batom. Fazer a descarga. Este lugar está avariado!Não entrar!
quinta-feira, julho 10, 2008
...
Intermitências... A respiração desse homem anda, agora, uma enciclopédia de reticências quase infinitas, apenas interrompidas, esporadicamente, por uns quantos pontos de interrogação [?, ¿], para cima para baixo, que logo deslizam numa promiscuidade absoluta com os pontos de exclamação [!!!!!!!!] para encurtar a coisa. Depois das reticências prolongadas [......] , seguem-se os parágrafos vazios das palavras que não disse e gostaria; das letras que pensou e não escreveu; dos regozijos histéricos de uma família de exclamações e gritos. Mas, realmente, ele só se revia nas intermitências da mudez absoluta das expressões vazias. Preferia o silêncio, à nudez pornográfica da retórica.
Queria muito gritar, por isso, resolveu colocar um “A” maiúsculo seguido de um “H” mudo em caixa alta. Para ajudar, muitas reticências, ou pontinhos vagabundos que se entregam assim, gratuitamente, à quase afonia da respiração. Já ia, quase, no décimo volume de pontos salpicados, sem edições revistas e aumentas, quando, por acaso, à mesma velocidade que um ponto final, o chato da questão, se lembrou que o ponto e vírgula poderiam ser melhores companheiros. Por exemplo, na dúvida entre acabar com aquilo tudo e continuar, a vírgula era a esperança, em forma de um tropeção que lhe dava a entender que até a pontuação (o ponto da acção, certo?!!!....) tem valentes e intermitentes crises de asma... Aquela aflição já era um asco e uma sentença evidente de que a língua dele há muito estava morta.
Queria muito gritar, por isso, resolveu colocar um “A” maiúsculo seguido de um “H” mudo em caixa alta. Para ajudar, muitas reticências, ou pontinhos vagabundos que se entregam assim, gratuitamente, à quase afonia da respiração. Já ia, quase, no décimo volume de pontos salpicados, sem edições revistas e aumentas, quando, por acaso, à mesma velocidade que um ponto final, o chato da questão, se lembrou que o ponto e vírgula poderiam ser melhores companheiros. Por exemplo, na dúvida entre acabar com aquilo tudo e continuar, a vírgula era a esperança, em forma de um tropeção que lhe dava a entender que até a pontuação (o ponto da acção, certo?!!!....) tem valentes e intermitentes crises de asma... Aquela aflição já era um asco e uma sentença evidente de que a língua dele há muito estava morta.
quarta-feira, julho 09, 2008
8XFOTOGRAFIA
Causas perdidas
Ele estava sentado com os pés em cima da mesa. Sapatos de sola gasta, das muitas noites de insónia, a calcorrearem os prostíbulos da Rua Augusta. Não eram os pés. Eram os próprios sapatos que tinham alma própria que o arrastavam para lá. A luxúria dos olhos famintos garantia-lhe o entorpecimento que precisava para entrar num transe doentio de imagens lânguidas, putrefactas, arrastadas às profundezas de vários cigarros que lhe carcomiam o sistema nervoso central, periférico e a espinha, como se gastasse toda a energia num orgasmo visceral. Tinha nojo delas. Das mulheres roçadeiras de postes, portas, homens, carros. Tudo o que lhe parecesse uma extensão melada, de marmelada, de “sem-vergonhice” gratuita. Mas mesmo assim tinha uma necessidade doentia por esse submundo escoriado. Não era melhor que ele. Aliás, poderia ser um perfeito habitante dessa cidade invisível. Ele, sim, poderia ser um exemplar “cidadão-escumalha”, um hediondo representante da rua néon que promete sexo sem limites. E ele tinha um: os sapatos não o levavam a outro lugar, senão aquele.
Por isso, os sapatos eram ele. Ele era um pedaço desses sapatos enqueijados, cujo prazo de validade expirou no momento em que os calçou. Lia o jornal do dia anterior. Um atraso explicado pela necessidade de encontrar anúncios repenicados de pessoas que estavam desaparecidas e que ele, com aquele sexto sentido apurado, o mesmo do orgasmo visceral, sentia que podia encontrar, desde que tivessem desaparecido, no máximo até 24 horas. Sentia-lhes o cheiro. Sabia, pelos traços do perfil do desaparecimento, que a maioria delas ia, precisamente, aterrar, com um bilhete de ida, nessa rua (des) vergonhosa que ele tanto queria possuir, todas as noites, de uma só vez, em cada beco, cada carro, em cada quarto em que os gemidos atiçavam a escala de Richter, num fingimento retardado de performances repetidas. Conhecia-as todas. Até as tinha anotado num caderno.
De repente, a luz começou a tremelicar, imitando os gemidos de Richter. A lâmpada fundiu. Escureceu. A porta abriu-se. O vidro partiu. A placa fosca envidraçada deixou de segurar o capricho: “Raimundo Silva”, detective privado de causas perdidas, hediondas, até mesmo depravadas.
A mulher nem se deu conta da força com que fechou a porta. Pediu desculpa, vergonhosamente! Naquela voz andrógina disse: “Preciso da sua ajuda! Os meus sapatos trouxeram-me até aqui. Acho que desapareci desde ontem e não me consigo encontrar. E o meu bilhete é só de ida. Como faço para voltar?”
Olhou-a. Reconheceu-lhe o cheiro e o gemido! Expulsou-a da sala. Recolheu os vidros. Olhou-se ao espelho. Lavou as mãos e, depois desse momento, reformou-se,definitivamente. Deixou de frequentar a rua pestilenta. E trocou de sapatos. Jurou a si próprio que nunca mais compraria sapatos na loja daquela mulher. Hoje, como hobby, dedica-se à escrita aprimorada de anúncios de jornais sobre pessoas desaparecidas. Não é ele. São os sapatos que o arrastam até lá!
Por isso, os sapatos eram ele. Ele era um pedaço desses sapatos enqueijados, cujo prazo de validade expirou no momento em que os calçou. Lia o jornal do dia anterior. Um atraso explicado pela necessidade de encontrar anúncios repenicados de pessoas que estavam desaparecidas e que ele, com aquele sexto sentido apurado, o mesmo do orgasmo visceral, sentia que podia encontrar, desde que tivessem desaparecido, no máximo até 24 horas. Sentia-lhes o cheiro. Sabia, pelos traços do perfil do desaparecimento, que a maioria delas ia, precisamente, aterrar, com um bilhete de ida, nessa rua (des) vergonhosa que ele tanto queria possuir, todas as noites, de uma só vez, em cada beco, cada carro, em cada quarto em que os gemidos atiçavam a escala de Richter, num fingimento retardado de performances repetidas. Conhecia-as todas. Até as tinha anotado num caderno.
De repente, a luz começou a tremelicar, imitando os gemidos de Richter. A lâmpada fundiu. Escureceu. A porta abriu-se. O vidro partiu. A placa fosca envidraçada deixou de segurar o capricho: “Raimundo Silva”, detective privado de causas perdidas, hediondas, até mesmo depravadas.
A mulher nem se deu conta da força com que fechou a porta. Pediu desculpa, vergonhosamente! Naquela voz andrógina disse: “Preciso da sua ajuda! Os meus sapatos trouxeram-me até aqui. Acho que desapareci desde ontem e não me consigo encontrar. E o meu bilhete é só de ida. Como faço para voltar?”
Olhou-a. Reconheceu-lhe o cheiro e o gemido! Expulsou-a da sala. Recolheu os vidros. Olhou-se ao espelho. Lavou as mãos e, depois desse momento, reformou-se,definitivamente. Deixou de frequentar a rua pestilenta. E trocou de sapatos. Jurou a si próprio que nunca mais compraria sapatos na loja daquela mulher. Hoje, como hobby, dedica-se à escrita aprimorada de anúncios de jornais sobre pessoas desaparecidas. Não é ele. São os sapatos que o arrastam até lá!
Política Dietética, depois do boca- a- boca
Podem ficar descansados os inquietados com a crise do (res)Piração aqui anunciada. (Alguns já deviam dar pulos “bungee jumping” da cadeira, e com razão, poderia ser um passo decisivo e de pesos para despoluir um pouco o universo blogueiro. Mas, infelizmente, em jeito de última hora, ainda não foi desta!). E como amanhã é feriado no Brasil (Não tinhas nada melhor para fazer em véspera dele? Até tinha, o Afonso faz anos, mas tive de ficar cativa de um trabalho para entregar- já que amanhã não há dia de redenção em Portugal. Mas ele já me perdoou, o Afonso! Não o Infante, que esse é um Maria-sem-vergonha! Trocou a "Maria de Matos" pelo "Dona Maria": Infante, um Maria vai com todas!). Dizia eu que a crise passou, depois de um vinho do Porto; uns bafos mal dados num charuto cubano (se calhar era do Paraguai, não sei. O meu amigo Fidel , melhor do que eu, poderá dizer-me mais tarde); umas quantas fatias de bolo de chocolate para estragar a dieta e fazer com que os meus níveis de açúcar dessem pulinhos "bungee jumping" [dejá vu é só impressão] como os vossos em falso alarme de histeria, e contribuíssem para a alegria da balança doméstica [lembrei-me agora que não a tenho e aliás, não faço ideia de que dieta se está aqui a falar. Nunca fui muito disciplinada com essas coisas. Troco o comunismo dietético pela anarquia light. Ou o liberalismo segregado das calorias nas horas livres de crises de (res)piração. Só até recuperar o fôlego. Depois volto logo a ser uma "pseudo-intelectual" com uma aliança democrática, a roçar o bloquismo e o lobi das bolachas com canela, com açúcar, que o adoçante é para os intelectuais, que nem aqueles que vão à FLIP para dizer que já cumpriram a sua missão cultural do ano! Também lá estive...Numa esplanada a ler a literatura cervejeira. Descobri que o lançamento do ano é Caborê! Em versão Cevada e trigo. Edições limitadas. E artesanais! Por isso viva ela! Grande impulsionadora da minha emancipação literária! Ainda bem que não tem panorama paralelo, seria muito pouco ético ter que partilhar estas descobertas com o intelectualismo light!
terça-feira, julho 08, 2008
Crises de (Res)Piração!
Tirou o casaco. Sentou-se. Recostou-se, tranquilamente, na cadeira esfarrapada. Passou a mão pelo nariz torto e, desajeitadamente inclinou-se para a frente, deixando o rabo na ponta da cadeira. Depois, preparou, como de costume [esse, que tal como a tradição, nunca morre de velho ou de doenças crónicas contemporâneas, pelo contrário: dotados do elixir da juventude] o ambiente propício à criação. Página em branco, pontilhada de dúvidas e interrogações sobre quantas letras, afinal, o fazedor de enredos de palavras iria depositar nela. Vomitar até pode ser uma boa palavra... Sim: dessas de naúseas linguísticas que nem a bula de “gurosan” resolve!
Cheio de gana para começar e... e... os dedos estavam estarrecidos, perante a apatia da imaginação. Angústia no peito!Arritmias... Piquinhos cardíacos de ansiedade! Falta de ar! Arfa! Arfa! [Sabia que nem um boca-a-boca resolveria a (res)piração]. Um sabor azedo molhou a língua, que depressa pediu mais saliva às glândulas da senhora. Poderia ter antevisto a situação ridícula a que se expunha ali, em frente ao computador. Poderia, sim! Aliás, tinha obrigação! Porque nos últimos dois dias, que antecederam a preparação do momento - a ler e a folhear as histórias e o inferno dos outros, ou quem sabe o próprio – ele não sentira aquela sacudidela que lhe dizia: “É assim que te vou parir!” O texto entenda-se! Pelo menos o enredo dele, que parece que as palavras se dão bem, assim, umas com as outras [ou as outras com umas quaisquer que sejam]!
Os dedos bem queriam escorregar, acelerados, no teclado, mas o mestre, o cérebro, ordenava que eles ficassem quietinhos ["sugaditos", heim!]. Um vai- e- vem de “enter”,”scroll up”; “scroll down”; “assinatura“;“título;“pós-título”; e alguns “xis“[xxxxxxx] como quem diz: aqui-deverá-ser-escrito-alguma-coisa” para enganar a página virgem [ não por ser em branco, porque as noivas também vão, ainda - em geral, vá! - e nem por isso o são. Blasfémia! Venha a expiação, mas como excomungado que é, já de nada vale!]. Resumindo: Aquela página por corromper parecia um pão sem manteiga [e ele nem gostava porque era intolerante à lactose]; parecia um Martini sem azeitona [shaked but not sturned]; ou então em versões mais acostumadas: “parecia um café sem bagaço; ou quem sabe: uma portuguesa sem bigode”.
Pronto! Talvez precisasse de férias. Quem sabe passear pela rua, ajudasse. Sempre resolve essas crises de palavras com uma investida pelos autocarros da cidade, suados de histórias vagabundas que ele gosta de corromper com o olhar esguelhado e um caderno em punho, pautado, escondido lá no fundo, atrás de um assento cravado, nas costas, aquela literatura, tipicamente urbana: “Jean loves Gezebel”, ou “António loves Karina”. Ora nem mais! Ontem, por exemplo, o “fazedor-de-enredo-de-palavras-com-crise-de-inspiração” lembra-se do rapaz que entrou no autocarro e, assim, como se diz em bom português, num “como-quem-não-quer-a-coisa”, passou o cartão.
Pipipi. Vermelho! Afastou-se. Deixou passar a rapariga. Fingiu que foi ver se tinha outro cartão. Rectifico: foi ver se tinha “dinheiro” para passar o torniquete. Fingiu. Sabia que não tinha. Como estava escuro ninguém viu aquele fingimento! Lá foi. Passou, novamente. Pipipi! Vermelho nada! Depois pergunta ao cobrador: A Alfonso Bovero está muito longe? Hum,! Umas três quadras! Dá para ir a pé? Dá! E quantos pontos de ônibus? Dois! Ah! E eu posso passar? Tou sem crédito no bilhete único.... O cobrador acena com a cabeça. Silêncio. Apenas os sons de “pára-arranca” de um autocarro velho! O corpo do miúdo dobra-se naquele torniquete que mais parece cancela de feira popular. Vai!
Ninguém vê. Ninguém sabe. Ninguém ouve! E a Alfonso Bovero já ali. Mas o puto não saiu. E essa poderia ser começo de uma boa história. Mas ele passa. Não se lembra do que se passou a seguir. Não tinha o caderno em punho. E pior! Não estava sentado lá atrás para sentir, suficientemente, o cheiro de suor dessa história vagabunda, que mais lhe pareceu banal. E ainda: estava demasiado concentrado a pensar numa crise de falta de ar mental: “Shaked not sturned”; tradicionalmente 100% livre de lactose! Recostou-se, tranquilamente, na cadeira esfarrapada. Passou a mão pelo nariz torto e, desajeitadamente, inclinou-se para a frente, deixando o rabo na ponta da cadeira, como a sua crise de inspiração!
Cheio de gana para começar e... e... os dedos estavam estarrecidos, perante a apatia da imaginação. Angústia no peito!Arritmias... Piquinhos cardíacos de ansiedade! Falta de ar! Arfa! Arfa! [Sabia que nem um boca-a-boca resolveria a (res)piração]. Um sabor azedo molhou a língua, que depressa pediu mais saliva às glândulas da senhora. Poderia ter antevisto a situação ridícula a que se expunha ali, em frente ao computador. Poderia, sim! Aliás, tinha obrigação! Porque nos últimos dois dias, que antecederam a preparação do momento - a ler e a folhear as histórias e o inferno dos outros, ou quem sabe o próprio – ele não sentira aquela sacudidela que lhe dizia: “É assim que te vou parir!” O texto entenda-se! Pelo menos o enredo dele, que parece que as palavras se dão bem, assim, umas com as outras [ou as outras com umas quaisquer que sejam]!
Os dedos bem queriam escorregar, acelerados, no teclado, mas o mestre, o cérebro, ordenava que eles ficassem quietinhos ["sugaditos", heim!]. Um vai- e- vem de “enter”,”scroll up”; “scroll down”; “assinatura“;“título;“pós-título”; e alguns “xis“[xxxxxxx] como quem diz: aqui-deverá-ser-escrito-alguma-coisa” para enganar a página virgem [ não por ser em branco, porque as noivas também vão, ainda - em geral, vá! - e nem por isso o são. Blasfémia! Venha a expiação, mas como excomungado que é, já de nada vale!]. Resumindo: Aquela página por corromper parecia um pão sem manteiga [e ele nem gostava porque era intolerante à lactose]; parecia um Martini sem azeitona [shaked but not sturned]; ou então em versões mais acostumadas: “parecia um café sem bagaço; ou quem sabe: uma portuguesa sem bigode”.
Pronto! Talvez precisasse de férias. Quem sabe passear pela rua, ajudasse. Sempre resolve essas crises de palavras com uma investida pelos autocarros da cidade, suados de histórias vagabundas que ele gosta de corromper com o olhar esguelhado e um caderno em punho, pautado, escondido lá no fundo, atrás de um assento cravado, nas costas, aquela literatura, tipicamente urbana: “Jean loves Gezebel”, ou “António loves Karina”. Ora nem mais! Ontem, por exemplo, o “fazedor-de-enredo-de-palavras-com-crise-de-inspiração” lembra-se do rapaz que entrou no autocarro e, assim, como se diz em bom português, num “como-quem-não-quer-a-coisa”, passou o cartão.
Pipipi. Vermelho! Afastou-se. Deixou passar a rapariga. Fingiu que foi ver se tinha outro cartão. Rectifico: foi ver se tinha “dinheiro” para passar o torniquete. Fingiu. Sabia que não tinha. Como estava escuro ninguém viu aquele fingimento! Lá foi. Passou, novamente. Pipipi! Vermelho nada! Depois pergunta ao cobrador: A Alfonso Bovero está muito longe? Hum,! Umas três quadras! Dá para ir a pé? Dá! E quantos pontos de ônibus? Dois! Ah! E eu posso passar? Tou sem crédito no bilhete único.... O cobrador acena com a cabeça. Silêncio. Apenas os sons de “pára-arranca” de um autocarro velho! O corpo do miúdo dobra-se naquele torniquete que mais parece cancela de feira popular. Vai!
Ninguém vê. Ninguém sabe. Ninguém ouve! E a Alfonso Bovero já ali. Mas o puto não saiu. E essa poderia ser começo de uma boa história. Mas ele passa. Não se lembra do que se passou a seguir. Não tinha o caderno em punho. E pior! Não estava sentado lá atrás para sentir, suficientemente, o cheiro de suor dessa história vagabunda, que mais lhe pareceu banal. E ainda: estava demasiado concentrado a pensar numa crise de falta de ar mental: “Shaked not sturned”; tradicionalmente 100% livre de lactose! Recostou-se, tranquilamente, na cadeira esfarrapada. Passou a mão pelo nariz torto e, desajeitadamente, inclinou-se para a frente, deixando o rabo na ponta da cadeira, como a sua crise de inspiração!
quarta-feira, julho 02, 2008
Manias....
Usar só roupa branca; caminhar em linha recta. Não pisar as linhas do chão; superstição; voltar as facas para baixo no escorredor; usar a mesma caneca, todos os dias; mudar de caneca; pedir café curto: em bicas separadas; fechar a porta depois de entrar; trancar; lavar as mãos depois de usar; nunca usar o mesmo sabonete; nunca beber água da torneira; benzer-se para não ver o diabo; dividir tudo por 24, depois por quatro, ou por dois, ou por quatro – um quarto para dois, para não dar azar! Sentar na ponta. Nunca sentar no meio. Usar a lingerie do avesso; nunca usar soutien; espirrar duas vezes e benzer-se!
Não comer polvo na semana da mulher; tomar banho depois das quatro; nunca escrever na primeira folha do caderno; nunca escrever na última; escrever a azul; a preto; a vermelho; abotoar a camisa de baixo para cima; bater na porta três vezes e ajoelhar-se se a mão escorregar para o quarto; cortar os legumes em quatro partes; adiantar o relógio; usar cuecas do avesso; nunca as mesmas; limpar o copo antes de beber; não passar por cima que não cresces; não tomar banho de água fria; nunca usar a toalha segunda vez; “Saúde” depois de espirrar; não sair de casa nos dias ímpares; escrever um diário; esquecer; nunca levantar da cama antes das 10h; ou das 7h; ou depois das 18h;
benzer-se no cemitério; enxotar o gato preto; não dormir virado para a parede; não misturar as colheres com as facas; as facas com os garfos; não comer laranjas à noite; contar as pessoas que estão na mesa; não deixar as bolsas no chão; saltar sete ondas; pedir um desejo, dois, três, nunca quatro para não ter que se benzer: cinco, seis, sete; não apagar a luz; fugir das capicuas; dobrar a roupa quando chega a casa; não passar por baixo da escada;
espreitar debaixo da mesa; nunca usar o copo mais que uma vez; engraxar sapatos só no aeroporto; dormir com três almofadas; nunca dormir sozinho; limpar os pés cinco vezes; vestir só preto; não atacar os cordões; tirar as sementes do tomate; não lavar a alface; cortar a carne pelos veios; ter sete cadeiras na mesa; não deixar a torneira voltada para a água quente; comprar só meias pretas; deixar crescer a unha do mindinho; deixar as bordas da pizza;espelho partido, sete anos de azar;
ler o jornal de trás para a frente; coleccionar pacotes de açúcar, selos, sapatos, anéis, copos, luvas, cabelos públicos, púbicos, pudicos; virar a chávena para beber; lavar as mãos depois do uso; bater na boca depois de dizer asneiras; rezar depois do pecado para a absolvição final; nunca deixar um texto a meio; e nunca escrever um “post” depois das 18h. Ooops!
Não comer polvo na semana da mulher; tomar banho depois das quatro; nunca escrever na primeira folha do caderno; nunca escrever na última; escrever a azul; a preto; a vermelho; abotoar a camisa de baixo para cima; bater na porta três vezes e ajoelhar-se se a mão escorregar para o quarto; cortar os legumes em quatro partes; adiantar o relógio; usar cuecas do avesso; nunca as mesmas; limpar o copo antes de beber; não passar por cima que não cresces; não tomar banho de água fria; nunca usar a toalha segunda vez; “Saúde” depois de espirrar; não sair de casa nos dias ímpares; escrever um diário; esquecer; nunca levantar da cama antes das 10h; ou das 7h; ou depois das 18h;
benzer-se no cemitério; enxotar o gato preto; não dormir virado para a parede; não misturar as colheres com as facas; as facas com os garfos; não comer laranjas à noite; contar as pessoas que estão na mesa; não deixar as bolsas no chão; saltar sete ondas; pedir um desejo, dois, três, nunca quatro para não ter que se benzer: cinco, seis, sete; não apagar a luz; fugir das capicuas; dobrar a roupa quando chega a casa; não passar por baixo da escada;
espreitar debaixo da mesa; nunca usar o copo mais que uma vez; engraxar sapatos só no aeroporto; dormir com três almofadas; nunca dormir sozinho; limpar os pés cinco vezes; vestir só preto; não atacar os cordões; tirar as sementes do tomate; não lavar a alface; cortar a carne pelos veios; ter sete cadeiras na mesa; não deixar a torneira voltada para a água quente; comprar só meias pretas; deixar crescer a unha do mindinho; deixar as bordas da pizza;espelho partido, sete anos de azar;
ler o jornal de trás para a frente; coleccionar pacotes de açúcar, selos, sapatos, anéis, copos, luvas, cabelos públicos, púbicos, pudicos; virar a chávena para beber; lavar as mãos depois do uso; bater na boca depois de dizer asneiras; rezar depois do pecado para a absolvição final; nunca deixar um texto a meio; e nunca escrever um “post” depois das 18h. Ooops!
A .r.ritmias
O humor dessa miúda tem andado como São Paulo: imprevisível, frio e quente, com picos de neblina, palavras de tudo e nada; um sofá (des)confortável e longas noites de insônia; quem sabe até uma tarde chuvosa, que gostaria que estivesse, para poder ouvir as pingas a escorregar pela janela, quentinha na cama; ou um vendaval com chicotadas de fios eléctricos, sacudidos pelos suspiros da cidade: e como ela suspira, numa dança rodopiada, tímida e neurótica; um “não-sei-se-fico-não-sei-se-vá”, como um mergulho em apneia recorrente - embora ela nunca tenha feito, é como se fosse já uma profissional certificada pelas longas faltas de ar em queda livre.
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