(Algumas
notas sobre um breve Brasil)
1.
Três anos fora do Brasil é viver como mergulhador sem oxigénio. A
coisa pode dar para o torto e sofrermos de uma doença
descompressiva. Mas eu aguentei-me à bronca (tentei), mergulhei
várias vezes em apneia, por instantes, e fui capaz de voltar à tona
sem grandes mazelas. Correu bem e nada acontece por acaso, como nadar na direção errada. A viagem ganhei-a por causa de outra viagem em
2012. Um passo atrás para dar outro à frente, eventualmente. Foi
uma oferta de uma boa amiga que quis presentear-me e ao A. pelo nosso
trabalho. Foi há um ano e este foi o ano possível de um Brasil. Eu
fui primeiro. A. foi depois. Foi a viagem dentro da viagem.
2.
Como todas as viagens, regressar ao Brasil está cheio de peripécias
que podem pôr em causa a teoria de que nada acontece por acaso. Por
exemplo, não entendo por que razão fiquei doente durante uma semana
com um vírus qualquer, avassalador, de caixão à cova. Seria, enfim, um presente de boas-vindas
irónico, uma quase vingança de São Paulo: “Estiveste este tempo
todo sem cá vir, agora toma que bem mereces ficar de castigo”.
“Pô, Sampa”, penso, “assim desfrutei um pouco menos de você.”
Ela lá se terá arrependido e ao quinto dia deu-me trégua; mas nem
tanto. O síndrome de estranheza não mais me largou. Era eu dentro
de mim, era eu fora de mim. Um corpo dentro de um corpo. Há qualquer
coisa de metacorporal no regresso ao Brasil. É viajar no tempo.
3. Eu
vou ao Brasil à procura dos meus personagens. É que os meus
personagens só podem ser brasileiros. Não há outro lugar onde
tenha mulher que passeia com carrinho de bebé com um cão lá
enfiado; ou vendedores de picolé à noite; homens que fazem dragões
tão perfeitos que parecem de verdade debaixo dos arcos da Lapa;
Clube de Leitura da Prosa na Baratos da Ribeiro, com um dono (aparentemente)
antipático, temperamental, que vende clássicos da literatura brasileira a 3,5 reais
e depois surpreende, oferecendo CD's da nova música brasileira à estrangeira;
picanha no Cantinho do Leblon. Eu vou ao Brasil, apercebo-me, para
ficar mais perto de mim, à procura dos personagens endógenos. Mas
por que raio a vida me quer longe de mim, no meu país? É a
identidade fora da identidade.
4.
Ocorre-me que não fui ao BH, ao MAM, ao Ibirapuera. Enfim, há uma
série de coisas que ficam para fazer quando se tem apenas um mês no
Brasil. Há uma série de amigos que não estavam lá, há um pedaço
de Sampa que já não existe, mas está lá; há uma lasca de
tropicalidade que existe, mas não se vê. “O Barulho do Tempo”
perdeu-se entre o Rio e Sampa, mas algo ficou em suspenso. Ainda deu
para improvisar uma curta-metragem que precisa de tempo para ver a
luz do dia. Resta-me agradecer aos anfitriões de sempre, tão
longe-tão-perto; tão-iguais-tão-diferentes. A. e T., L. e A.
Brasil, se fosses um filme, só poderias ter sido escrito e realizado
por Woody Allen, com assistência certa de João Ubaldo Ribeiro (e
outros coadjuvantes, que me perdoem os puristas). Afinal, é apenas
isso: Viva o Povo Brasileiro! (E isto: tenho sempre de voltar ao Brasil).
Sem comentários:
Enviar um comentário