Balsâmico, madeira, acre, mofo, floral. Acho que o aroma que a Lis mais aprecia na degustação de um livro é vanilina. (Faça você mesmo: agarre um livro e snife-o, sente-o?). O cardápio de fragrâncias literárias poderia continuar, até porque, há um perfume com essência a livro: o Paper Passion, criado pela perfumista Gaza Schoen, a pedido do editor Gehrard Steidl.
Banal para snifadores de páginas, portanto, que evocam invectivas a quem não souber que o aroma livresco se deve à lignina, ou lenhina,
uma substância que as árvores têm semelhante à baunilha. O mesmo pode
acontecer para alguns tipos de papel onde se inventa vários tipos de
literatura: postais, bilhetes, post-its, sebentas, revistas...
Não admira, por isso, que quando Lis folheou e “snifou”, recentemente, alguns números da Hei,
revista cultural portuense dos anos 90 do século XX, editada por Jorge
Rui Martins, lhe viesse à memória a infância: “isto cheira à casa da
minha tia”, confidenciou-me.
O
que ela quis dizer, decifrei depois, é que o olor se assemelhava ao da
caixa de madeira onde a tia guarda literatura epistolar: as cartas, os
telegramas e os aerogramas (foi Fernando Pessoa quem os inventou) que o namorado, hoje marido, lhe enviava de Moçambique. Eram às dezenas.
Nessa altura, a história vinha toda misturada, porque os aerogramas não estavam
numerados. Mil e cem cartas apaixonadas, contou-as Lis, que falam de
emboscadas no meio do amor, de “turras” no meio de minas, tanques,
explosões e mortes.
A
Lis jurou-me, ainda, que, enquanto as lia, sentia o cheiro de cacimbo
no mato africano e de petricor, nome do odor da terra molhada depois da
chuva. Como pode ela sentir o olor de um lugar onde nunca esteve? E
somos nós atraídos pela olência deste ou daquele livro; e dos odores que
nos fazem sentir? Será por isso que recentemente lançaram um e-book
com aromas? Oh, a que cheirarão os livros do futuro?: terá a borracha
essência a baunilha? Ainda haveremos de snifar ecrãs à procura do cheiro
da literatura.
(Crónica publicada no dia 15 de Março no semanário Grande Porto, na página Bairro dos Livros, numa iniciativa que reúne ainda os cronistas Rui Lage, Rui Manuel Amaral e Jorge Palinhos)
(Crónica publicada no dia 15 de Março no semanário Grande Porto, na página Bairro dos Livros, numa iniciativa que reúne ainda os cronistas Rui Lage, Rui Manuel Amaral e Jorge Palinhos)
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