quinta-feira, janeiro 31, 2013
A casa que respira
Há um episódio particularmente desconcertante, sempre que passo por aquela vivenda, perto de casa dos meus pais. Vou a pé, diletante pela paisagem, baralhada pelos pensamentos, olhando as reentrâncias do solo, como envelhecem os campos ao redor, como os gatos se deleitam, escondidos atrás dos muros caídos, aspirantes a ruínas.
Tudo isto em segundos fugazes, como areia nas mãos a escorrer, até que, interrompida por um arrepio me detenho. Estarreço olhando para a casa, que parece respirar por tubos, aflita. Vejo vegetação a sair pelos canos e pelas telhas, como se natureza, pintalgando a obra humana de zelos naturais, decidisse crescer jardins em tectos e cimentos, num claro sinal de revolta expondo território invadido.
É um som grave, bufado, enfermo, como se ouvíssemos um ser a lutar pela vida, entubado - já o escrevi-, deixando escapar laivos de oxigénio conquistado. É um ruído compassado. "SSSffffff".
Todos os dias, o mesmo acontece. E eu arrepio-me porque não é som agradável de se ouvir. Arrepio-me enquanto percebo que as casas também respiram. São seres orgânicos que nos acolhem, ouvem, afagam sem reclamar, além das rugas que vão ganhando, sobretudo se não as regenerarmos, mantermos. Apercebo-me, pois, que aquela casa, provavelmente, abandonada, cinzenta, cabisbaixa, se pôs amarga e triste, como muitos dos prédios abandonados por aí, e demasiado neste centro histórico do Porto. É, as casas também respiram e, como nós, precisam de oxigénio para contar histórias.
quarta-feira, janeiro 30, 2013
Pepetela relançado no Brasil
A editora Leya vai relançar, no Brasil, os livros "Mayombe" e "A geração da utopia" do escritor angolano Pepetela. Ao que parece, esses dois romances do prémio Camões em 1997 estavam esgotados "há anos".
Escritor nascido em 1941, Pepetela imprime nas suas obras o bafo quente e fervilhante das transformações de Angola: desde a libertação "à construção de um novo país sob as marcas da guerra e do colonialismo".
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Um dia a mesinha de cabeceira vem abaixo
Depois de atravessar um deserto árido e lento de abstinência bibliófila, onde a literatura parecia aquela miragem típica dos preguiçosos, regresso, paulatinamente, à urdidura ocular, que passeia pelas letras e contra letras dos livros (quanto trânsito vai ali na folha branca, meu bem!), que me vão chegando à mão, à mochila e, claro, à mesinha-de-cabeceira.
A semana que passou foi dedicada à leitura de bulas, tão nobre prosa da Farmacologia, a tentar curar uma gastrite, que, afinal, malvada, não era gastrite, espia de uma bactéria ou vírus quaisquer (que me colocaram numa subserviência contumaz pela quietude e dieta radical), para depois me entregar com certo deleite à leitura atenta do antibiótico e pró-biótico, na declaração de guerra implacável ao regimento bacteriológico que se apresentava.
Pode, pois, perceber-se que, sem o meu consentimento, o meu organismo andou em bélicas campanhas. Talvez por isso, tenha sentido o efeito de bombas, canhões, e, quiçá, tempestades tropicais que se desencadearam no baixo ventre. Controlada a situação por agentes secretos que continuo a infiltrar no organismo, apercebo-me de que a doença me curou do jejum literário, empurrando-me, enfraquecida, a ciciar por companhia fiel das folhas livres desses desordeiros libertários, que são os livros.
E isso sem que Sun Tzu vertesse uma sequer palavra. Tal empreitada deixou-me, pois, como despojos de guerra a leitura de dois belos livros e o início de uns quantos, resgatando o perigo eminente da torre de babel que empilho na mesa ao lado da cama. É, sabemos, um dia a mesinha-de-cabeceira vem abaixo.
Literatura destes dias:
1. "A Máscara de África", V.S.Naipaul, Quetzal, 2013
2. "O Olho de Hertzog", João Paulo Borges Coelho, Editorial Caminho, (Prémio Leya 2009)
3. "O Volume do Silêncio", João Anzanello Carrascoza, Cosac Naify, 2012
4. David Trueba, "Aberto toda a noite", Alfaguara, 2012 (terminado, entretanto)
Tenham uma boa semana!
terça-feira, janeiro 08, 2013
o silêncio do metro
O ruído deve ser uma coisa muito relativa. Um som inarmónico para uns, harmónico para outros, deixando de ser o que para certos é o fragor, o estrondo. É por isso que talvez o que de seguida escreverei não seja mais do que um mero desalinho melódico, com se o piano do meu cérebro, ou as cordas de um violão, como talvez seja (ou lira, ou pandeireta, cuíca, ou banjo, sei lá), estivesse a precisar de afinação. Dobrem os sinos, toquem as trombetas, rejubilem-se os preguiçosos, porque isto é valor-notícia naquele que é considerado o universo vanessiano.
Não tenho conseguido agarrar um livro e harmonizar os elementos necessários para conseguir pautar, palavra a palavra, linha a linha, aquela que é a melodia da leitura. A serena sucessão rítmica que assiste o ato de ler.
Não consigo, e estarei longe de perceber a razão. Não que os autores não sejam prosadores de interesse reconhecido, para manter uma mente ocupada aos amantes da leitura; não que a orquestra da minha mente ande conturbada com preocupações maiores; não que não esteja habituada ao exercício paulatino da negação do ócio em troca de um livro.
Talvez tenha sido acometida por algum vírus do fim do mundo que me tenha usurpado o gosto pela leitura ou, ainda, haja algum ruído branco que me entorpece senso e sentido, orgulho e preconceito. O que sei, isso sim, como me disse certeiro o Alexandre, numa dessas tardes de sábado no Candelabro, é que estou sendo invadida pela vontade assoberbada, ansiosa de escrever, num conflito evidente entre querer viver e parar para escrever. Acontece-me agora - e precocemente-, pois há ainda tanto para ler antes de parar para ter a ousadia de esboçar em prosa o que quer que seja, ser assaltada por uma vontade incontrolável de escrever sobre tudo o que me rodeia. Sobre o casal de namorados no banco de jardim do Palácio, do velho do Jardim São Lázaro, do taxista da Rua Sá de Bandeira, mas depois atrapalho-me e não sei como envolver as histórias.
Atrapalho-me e desisto, quando muitos me dizem que é preciso técnica (dá-me uma certa repulsa, resistência) e que não posso desistir. Ataranto-me e acho que estou a perder tempo, que é melhor ir viver, em vez de me atrapalhar. Convenço-me que é mais uma forma de ruído, como aquele que me investe quando estou no metro, a viver: também me apetece escrever nos lugares mais inusitados, como uma carruagem em andamento.
É talvez por isso que hoje resolvi parar para escrever isto de tão banal que possa ser, na devida prova irrefutável, que os ruídos são uma coisa relativa.
A mulher que serve cafés na estação de metro da Casa da Música inquietou-se quando lhe disse boa tarde, como estivesse de costas, lavando louça. Assustou-se apesar do barulho à volta, de gente apressada, metros a ir e vir, um frenesim de adolescentes, escadas rolantes a chiar.
-Ah, boa tarde. Com tanto silêncio do metro, assustou-me.
O barulho, meus caros, é relativo. É preciso habituarmo-nos a ele até que seja silêncio. Deve acontecer a mesma coisa com a literatura.
som inarmónico produzido por corpo que cai ou estala; estrondo, fragor
ruído In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-01-08].
Disponível na www:http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/ru%C3%ADdo
>.ruído In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-01-08].
Disponível na www:
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ruído In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-01-08].
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