domingo, setembro 30, 2012



por vanessa rodrigues

A música tem arames que se arranham. 
Murmúrios e geremias. 
São guitarras, são harpas, são rufares ao longe, são címbalos, 
guitarras acústicas onde deslizam dedos cansados, assobios, 
ligeiras mágoas musicadas, esperanças, 
risos, mudos pensamentos parados, 
enganos, 
manipulações dedilhadas com a retórica, 
a promessa de suspicazes vontades, 
gracejos que só os suspiros sabem fazer, 
madeiras que roçam, 
corpos a estrebuchar, miméticos, 
chaplinianos como no cinema, mudos, de olhares impositivos, 
opressivos, 
agora essas mesmas guitarras, 
como máquinas, como chaminés monótonas de comunistas vontades, 

são número; 

vamos vestir-lhes de ideologias, 
despir o cérebro, 
entorpecer de ruídos brancos, 
o pau na cabeça, 
as roupas que se vestem-despem-vestem-despem; 
estridentes guitarras, estridentes, metálicas, 
acutilantes, 
reverberadas em ruidosas irritações auditivas, 
parem que sufoca, parem que atrofia, parem que incomoda, 
parem, façam silêncio, mudas vontandes, inertes ideologias, 
parem que sufocam, 
parem, que se desmorona cá dentro, 
parem que temos frio, 
cessem as guitarras, 
estrídulas vozes, 
as violentas acústicas que nos ensurdecem, 
parem de silenciosas propagandas, 
parem, 
deixem que o sangue escorra,

taciturnos, 

usem o silenciador, 
a caçadeira de cano cerrado, o jogo cerebral, tiro ao alvo, 
a mentira-a-verdade-a-mentira, 
dissimulem, schhh, 
escondam, escondam o embuste, 
dobrem os caracteres, 
batam palmas, psicadélicos, 
dancem até cair, tombem, deixem tombar, 
e quando mais nada restar, escondam de novo, 
enterrem, abram a cova de terra e cubram de flores, 
que outros corpos hão-de nascer, 
novos livros se hão-de escrever, 

novos e os mesmos erros havemos de cometer.

oops, só para dizer que te amo, mundo!


sábado, setembro 29, 2012

Viagens, páginas e recomeços

foto: vanessa rodrigues para o projeto speramundi

Uma pessoa regressa de viagem, depois de uma espécie de tournée, digressão europeia com lusofonia na bagagem, para inventar um país, uma língua e repensar o potencial universalita de Portugal, e depara-se com uma pilha de livros em cima da cama. Na verdade, três caixas grossas maciças, com etiqueta a indicar o meu nome. Não, não há engano, é mesmo para mim. Babo que nem cachorro vendo salsicha fresca, tuaregue vendo oásis no deserto, criança olhando chupa-chupa, sambista gabando caixa de fósforo... É isto: 10 livros novos enviados por editoras, uma encomenda há tanto esperada e uma espécie de troca do Brasil. Meus olhos brilham de emoção, é claro, sobretudo, vendo as maravilhas dos livros do Brasil, enviados por meu amigo Daniel Benevides, da editora brasileira Cosac Naify, e crítico literário do jornal Estado de São Paulo. Meus olhos brilham porque ganha fôlego assim uma troca maior e Atlântica: eu escolho os livros e escrevo sobre eles. Ele publica no blogue da Cosac Naify. Só para meter inveja aos amantes de literatura da grossa: um dos livros que escolhi foi a obra "Crônicas Inéditas" vol. I de Manuel Bandeira. Confesso que ainda estou babando porque isto me dá um certo regozijo, porque sou apaixonada por literatura, porque ler boa prosa é TDB e me faz amar recomeçar os dias.  A literatura tem este efeito em mim e não tem cura.

sexta-feira, setembro 14, 2012

Um país inventado estrada fora

Por 13 dias andarei a inventar um país.

por vanessa rodrigues*

Não é preciso muito para inventar um país. Chegam 5 caravanas, uma roulotte, um jipe, uma viatura com carga, duas mascotes caninas, 29 pessoas, algumas ervas daninhas, biscoitos em formato de bunda, uma viola, umas quantas panelas e cinco nacionalidades. Depois mistura-se tudo e manda-se estrada fora. Cerca de 5000 quilómetros já chega para conspirar um país. E o pequeno nasceu às 9 da manhã de ontem, quinta-feira, 13, depois de zarpar de Guimarães, a capital europeia da cultura deste ano, a caminho de Maribor, Eslovénia, irmã gémea nestes adornos, deixando o castelo e o berço da nação portuguesa verdes de inveja.