A alquimia é uma coisa complicada, pessoal, intransmissível, mas serve para explicar muita coisa. Ou nada. Porque o nada tem sempre uma boa dose de tudo, que se dissipa por aqui como vento, ar, podendo o ar gasoso, que por vezes exala, paira e não se vê, sufocar. E se a alquimia é pessoal serve para o espanto, a indignação, a transformação das emoções em sentimento e para suportarmos melhor a vida.
Há emoções que de tão pessoais são um todo colectivo: todos sentimos o mesmo, em diferentes cadências e intensidades, com maior ou menor peso, mais ou menos moderado, mais ou menos importância, mais ou menos reflexão. Choramos, berramos, esperneamos, sufocamos, atiramo-nos ao chão, achamo-nos feios e incapazes, inferiores, desgastados, lentos, nadas, pequenos nadas. O sentimento é o mesmo. A intensidade é que oscila.
A noção de nós aqui-e-agora. Ele vai por esse caminho, sem atalhos, mas nunca anda por lá.
Ferreira Gullar. Lançou, ontem, na Livaria da Travessa do Leblon, no Rio de Janeiro, “Em Alguma Parte Alguma”. Não publicava há onze anos. “A poesia não tem lugar no mercado”. Foi “Abduzido”. “busco/tateando/no escuro/o interruptor da lâmpada de cabeceira/e/ao acendê-la/deparo-me/comigo/em frente a mim/como se fosse um outro:/estarei noutro?/(e de pijama/o mesmo pijama verde-grama/com que durmo/em minha cama)/e/apa/go/a/luz/na treva/cismo/que/esse eu-mesmo-outro/habita/agora/abduzido/um abismo/(bem rente à cama/do quarto de um hotel/na capital paulista”.
A alquimia dele é a poesia. “Ajuda as pessoas; dá uma alegria às coisas”. E as coisas é isto. As coisas é a divisão da casa do nosso encantamento. É-o. Não são. Porque as coisas são singular e o plural das coisas só serve para equívoco. Pode ser isto. Bem que podia ser isto. E agora começamos a entrar no mistério da vida. É pessoal o que lhe vai lá dentro, mas podemos tirar lições – com sorte, uma receita biológica. Com sorte, embora o azar paire neste texto. Mas se azar for a descrição de sorte e sorte a descrição de azar no nosso mundo pessoal, está tudo bem. Fica sempre tudo bem.
O homem, o poeta, a intermitência poética de quem aqui se fala não tem receitas. E, embora, as coisas que lhe ocupam a cabeça sejam universais, não há coisa mais pessoal do que a anarquia dele – tão nossa e lugar-comum. “Quando a indagação surge é como se começasse a pensar pela primeira vez e isso é mais importante do que qualquer coisa que eu escreva”. O mais importante. Nunca sabemos o que é mais importante, porque a hierarquia das coisas não existe. É singular, lembram? Claro. “Será que a poesia é literatura mesmo, ou é outra coisa?”
Talvez outra coisa. Talvez poesia. Talvez Literatura. Talvez apenas palavras e alquimia. “Ela é tão Minerva. É assistémica. É uma outra coisa.” Mas qual foi a pergunta, mesmo? A Literatura é poesia? Não: a Poesia é Literatura? “O Poeta resiste a ser adulto e isso é verdade. A criança desobedece e não vê o mundo com métodos”. Voltamos a ser criança com a Poesia. As bananas apodrecidas, o gatinho, os dragões, as aranhas na pia – mas já lá voltamos. Bananas apodrecidas. Que coisa tão banal! Que coisa tão Gullar!
A vida correndo, o universo explodindo, as estrelas brilhando, enquanto as bananas apodrecem. Banana 3, Banana 4, Banana 5. Os poemas. As bananas. “O mundo está no sistema solar e as bananas estão lá” . Como se algo ali permanecesse vivo no exacto apodrecimento. “O Universo nasceu, houve um princípio, ma antes dele havia o nada e não pode haver o nada – não pode haver o nada. Não consigo conceber que não exista nada. Big Bang? Tenho horror ao universo porque é grande demais. Com ele, a gente vira nada de nada”. Só vale pelo seu espantoso vão silêncio. “Não quero saber do universo, quero saber de gente”. Do seu ambiente íntimo, de quanto dura o seu gatinho, e de quantas bananas vão apodrecer ainda nas páginas de seus livros. “O poema é uma invenção do lugar que não pode ser dito. Na hora de escrever, eu reduzo o grau de probabilidade do que há em mim”.
Química interna. Começa a palavra condicionada, que vem. “O resto é uma mistura. A vida é feita de acasos. E o poema é uma mistura de acaso com necessidade”. Necessidades, acasos de alguma parte alguma, de algum Gullar Nenhum, de Gullar de alguma parte. “Eu vivo numa cidade de 30 amigos meus, Não conheço a maioria das pessoas” E não importa. “Ferreira Gullar, famoso eu não sei quem é”. Ouviriamos do mendigo. Depois vem o Amor. A alquimia da Poesia. Parte vertida de Amor. “Como de Machado de Assis para Carolina, que estava morta.” E o que é a poesia hoje (se é que foi alguma coisa algum dia)? “Eu não sei responder”.
2 comentários:
Olá Vanessa!
Obrigada pela visita ao meu blog www.temperodavida.wordpress.com.
Foi um prazer conhecê-la através do seu texto sobre o Saramago.
Um abraço!
Olá Geovana, Muito Obrigada.
Beijo
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