Uma vez perguntaram-me, com ênfase, pompa e um certo tom embevecido:
-Van, você já foi em festa junina? Conhece? É muito legal. É uma tradição aqui do Brasil.
Resposta:
- Ah, é? Que óptimo! Estou curiosa. Engraçado, nós também temos uma coisa parecida. Acho que importamos do Brasil.
terça-feira, junho 23, 2009
terça-feira, junho 16, 2009
Clínicas?
Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Ambulatório dos Viajantes. DMIP-HC-FMUSP-SUCEN… Aaatchim! Não é o lugar ideal para espirrar. Retire sua senha aqui. Jaguar: 13h23. Alerta aos viajantes: Cuidado com a febre-amarela. Vacine-se antes de viajar para os estados da região Norte, Centro-Oeste, Maranhão, Minas Gerais, ou para as margens do Rio Grande e Rio Paraná.
-595?
- Eu!
- Da gripe, né?
- Já tomou a vacina?
- Você pega quando?
- Hoje?
-Ah, tá bom então!
Apoiar sobre a barra para abrir. Abre o saco. Plástico encorrilhado. Tlac! O lápis na mesa.
-Ah, mas é rápido, rapidinho.
- Precisa tirar senha, né?
- Maria?
“Favor não retirar as cadeiras do lugar”. A pele tão sensível, amargada com chagas pontuais. A pele alva sem defesas. Parece pele de réptil esfacelado, tão solta, em ferida, queimada de um sol indesejado. Pestanas transparentes, quase imperceptíveis. Os pés gastos de ar, secos, vento e água. Gretados… Em queda livre para a crónica desidratação.
A mulher arrasta-se nos chinelos. Lambe um cone de gelado, “ta-ta-plac”.
-597, 598, 599?
Calendário oficial de vacinação para o Estado de São Paulo. Ao nascer: vacinas BCG – previne formas graves de tuberculose; Hepatite B – previne Hepatite B; 2 meses: vacinas poliomielite: previne paralisia infantil; Tetravalente (DTP+HIB); Difteria, Tétano, Coqueluche (Alguém sabia que esta doença existia? E tem vacina?); Hemófilo b; Rotavírus; 12 meses: Tríplice viral (SCR)- Sarampo, Caxumba, Rubéola; 60 anos ou mais: Influenza - previne a Gripe. Sociedade Beneficente Sírio-Libanês. Bata alva, cabelo dourado, olhos verde-cor-de-água. Retire a sua senha aqui. Parece sangue na boca. Comichão na cabeça; comichão nas articulações: diagnóstico: alergia a ambiente hospitalar. Assepsia. 071-71. O último número: V-Z-D-0-60-Z. Saída. Bairro Vila Ruiz, Campo lindo. É lá? Folheia a Gula: América Latina. Duas doses? Entra-sai-tac-tac. “Jesus te ama” – e saca a revista.
- Obrigada não vou querer.
-Mas Jesus te ama!
Cadeiras-de-rodas só pela saída. Não dê a volta, aqui é a entrada. Sapatilhas, sandálias. “Princípios de Neurociência, versão Brasil. A t-shirt. Bengalas, crachás.
- Já tô sentindo a dor no braço e ainda nem tomei vacina.
Bbatalhão de batas brancas; chinelos, sapatos sapateados. Atenção: Sala de espera, vacinas ao lado. Voz esganiçada-tomei-hélio-e-não-sei.
-Qual a vacina?
-A vacina!
-Qual vacina?
-Você não veio tomar vacina? Sim, mas qual vacina?
-Ah, a da gripe!
Fisiogel, Farmácia, Guararu, a capital do Forro. Parece um lagarto vermelho-queimado. Exposis. Luvas. Antibióticos. Infecção Urinária. Medicação, Prevenção. Amoxicilina? Galochas com capa? Laboratório de Malária. Próximo? Risco Biológico.
- Eu vou fazer uma história de um ano. Eu na verdade não sou jornalista. Sou estudante de jornalismo e vou ficar estudando uma comunidade na Índia. Ah não…eu trabalho em Escola. Está ficando difícil aqui.
“Proibido trocar fralda neste local”. “Não entre”. “Proibida a entrada de pessoas não autorizadas”. “0800”. “Hospital das Clínicas”. Sabrinas, sandálias, pés gretados, calças de ganga; calças de fato-de-treino; cadeiras, chão, chão, calças verdes de sarja, água. Dois óculos. Careca. Bata branca com jeans. EEP – investigando a vida. Braçadeira. Três doses. Contra a raiva.
-É bem doloroso. Nossa!
Consulta do viajante: Angola, Amazónia, Índia.
-Ah, eu vou para Portugal, achei melhor me consultar também. Precisa alguma vacina?
14h55. DIMEP. Ela troca fralda nesse local, abençoada pela placa: “Proibido trocar fralda neste local”. Bis, bis. C02. Autocolante. Extintor. “Quebrar em caso de emergência”. Borbulhas. Ombros à mostra.
-“Solange”!
- A gente vai tomar a da varicela, porque vamos fazer estágio no SGESP. Mas a gente já teve varicela.
- Tamo imune né? Eu não tô achando o comprovante.
Português deve ser bicho estranho…Ninguém se senta ao lado. –
Nossa, minha amiga tomou. E ela teve depois da vacina. –
Patrícia Cristina Ferreira. Vem!
Arrasta o pé como quem pede conversa.
- 623? 624? Venha por aqui senhora. 623, aqui! O que senhora está fazendo aqui? É para ficar ali e depois eu chamo para vocês virem para aqui [mudar de sala de espera a 50 centímetros].
- Mas eu já estou aqui. Você acabou de me chamar. –
Mas sou eu que chamo. E como vocês não responderam do lado de lá, veio essa senhora e passou na vossa frente.
- E qual a diferença se eu já estou aqui, não sabia, e me adiantei.
- Porque eu que sei. É para ficar esperando mesmo. Eu é que chamo. Lamento mas essa senhora, agora, vai primeiro.
- Você também veio tomar vacina, foi? Eu não vinha, vim visitar um amigo que está aqui internado. Mas como vi todo o mundo, pensei por que não, heim? Mas não trouxe minha carteirinha de vacinas. Uê? Não vou andar sempre com ela, né? Nem vinha preparada, mas já que vim, aproveitei. E você não vai tomar não? Tem que tomar todo o mundo para prevenir. Eu quando era pequena não tomei da rubéola e sofri para caramba! Nunca pensei que se pudesse morrer de rubéola. É forte pr’á cacete! Poxa! Mas e você não vai tomar?
- A senhora tá querendo que todo o mundo tome. Já percebi, tá nervosa perguntando para todo o mundo.
– Ah, mas agora anda aí esse vírus da gripe, melhor tomar.
- Ah, mas a senhora não sabe que não tem nada a ver uma com a outra.
- Como não? É tudo gripe! Assim, se todos tomarmos, ninguém pega.
- Próximo?
- Eu vim com meu filho fazer o exame de coração. A médica se enganou e mandou ele fazer o mesmo exame duas vezes. E ele não pode. Fica exposto aos raios. É demais. É uma violência para a criança.
- Febre-amarela? Ah, tá.
Extintor. Zlap, zlap de porta.
- Volta cá amanhã.
- Dá um beijo à tia. Valeu!
O homem das senhas.
- Boa tarde. É aqui mesmo!
Sentado com o dorso na parede falsa, cadeira rolante de escritório, bata cor-de-leite.
- Ele vai tomar a primeira dose. Não tem carteirinha. Anti-tetánico. Tem esquema desconhecido. E aí vai trazer a carteirinha do neuro-projecto, mas para já é isso!
Anemia! Falciforme.
- Oi?
Arrasta os pés no hão, como feira popular.
- Tem que fazer duas ou três placentas. E depois sorologia.
-É da professora de higiene.
Roça as mãos nas meias, nas sapatilhas, puxa-as: brancas-leite. Pele chocolate.
- Mãe? Mãe?
“Proibido trocar fralda neste… Sala de Espera de vacina.
- Por favor, aguarde ser chamado.
Uh! A mãe sai. Filho no colo. Fralda trocada.
- Até amanhã viu? Cadê a tia Cármen?
Olhos esbugalhados de sono. Olhos de choro, mimos, ternura. “Atenção: não devem receber as vacinas contra a febre-amarela, sarampo, caxumba, rubéola, varicela, catapora, …. As pessoas que…
- A senhora já teve câncer? Ah, é que não pode. Sistema asséptico. Anti-séptico humanidade.
segunda-feira, junho 15, 2009
Bielman F. Divã...
- Pode sentar-se no divã. O doutor já vai atendê-lo!
Tirou o casaco que se colava ao corpo. O deslizar das mangas na pele nua roçou os pêlos suados. Mergulhou no cadeirão. Olhou o tecto branco, vazio e pronto para a associação livre até à neurose. A sala cheirava a flores. Pensava que todos os consultórios cheiravam a hospital tentando ser assépticos para que o cérebro permaneça alertado de que o “não-lugar” é apenas de passagem e não se entregue aos truques psicossomáticos que só existem na utopia fora do corpo.
-Boa tarde. O meu nome é K. Você é o senhor Bielman?
- Dizem!
- É a primeira vez com um psicanalista?
- É, parece que vai ser um homem a tirar-me a virgindade nesse assunto.
- Não vai doer. Prometo!
- Sempre achei essa história de terapia coisa de loucos. Talvez eu esteja. Mas o que acontece é que nos últimos meses nem eu mesmo me aguento.
- E por que razão?
- Não consigo envolver-me com ninguém.
- E por que razão acha que isso é um problema?
- Desde que me divorciei o ano passado, entrei num ritmo de conhecer várias mulheres. Todas elas diferentes, Doutor. Mágicas, os corpos tenros, as ternuras. Mas, depois, quando querem coisa séria…Tudo começa com a escova de dentes, depois a lingerie, a maquilhagem. Quando percebo já fizeram cópia da minha chave-de-casa e estão a cozinhar para mim. Não aguento isso. Não quero mais isso. Chega uma altura em que mergulho num balde de água fria e começo a atirar-lhes gelo. Agredi uma, Dr.
-Costuma esclarecer, desde o início, as regras do jogo?
- Sempre. Conheço-as na noite, na paragem de autocarro, no metro, nos quiosques de jornais, no supermercado… Você sabia que o supermercado é o melhor ponto de engate para os solteiros? E aos 37 fica difícil resistir. Mas tem uma que sempre volta.
- Uma mulher?
- É. Não sei nada sobre ela. Já nos encontramos algumas vezes. Eu não pergunto nada. Não sei o que faz. Mas é como se a conhecesse desde sempre. Aqueles cabelos negros. A pele branca, escorregadia. O olhar embalado. Ela sempre aparece assim, sem avisar. De alguma forma acho que procuro por ela em todas as mulheres. Mas ela sempre desaparece antes de eu acordar. Não deixa rasto, nada. Eu não tenho coragem de lhe perguntar nada para não estragar o momento. É intenso, Dr. Fico em êxtase só de a ouvir falar. Ela passa semanas sem dizer nada. Simplesmente desaparece. Mas o melhor de tudo: é aquele cheiro que me hipnotiza e me leva ao útero Dr. Sinto-me a renascer. Mas há dois meses que não sei nada dela. …Acho que estou de ressaca.
-Acorda querido. Estavas a delirar. Deve ter sido da Fluoxetina que te injectaram. Estavas em transe profundo.
- Não, profundo é o poço do passado em que me arrastaste. Não sais da minha cabeça. És a minha doença, Loren.
Levantou a cabeça e o dorso para a abraçar.
- Não vais mais fugir de mim.
"Plufff". Ela desapareceu como espectro de fumo. O abraço foi um não-abraço seco ombro-no-ombro. Inexistente. Saiu bafo frio da boca dele. Nevava. Ouviu o eco do próprio pensamento. Um grito silencioso que rasga a alma e a despedaça por dentro. Mas no fundo do poço ninguém ouve. Mordeu a língua. E adormeceu…
sexta-feira, junho 12, 2009
quinta-feira, junho 11, 2009
quarta-feira, junho 10, 2009
Anatomias de liberdade
Chove lá fora, como agulhas pontiagudas lançadas do céu. Às vezes ela pensa que alguém acorda, lá do alto bem alto - no fim de um paradoxal infinito vertical- abre a janela e começa uma rumba de tiros ao alvo cá para baixo. Não vê nada. E em vez de pequenas gotas, envia ponteiras de água para se vingar. Por isso, as árvores vergam-se para as deixar passar, mesmo sedentas. Habitadas por pó, fumos, rejeições e intempéries, que as esfacela. Abdicam do vento. E enrolam-se umas às outras no esforço contínuo de viverem mais um pouco agarradas aos galhos.
Agora, as janelas das casas assobiam com rajadas de ares que trespassam os tecidos de Inverno colados aos corpos impreparados e arrepiados como rugas de pele de galinha. Eles não reparam. Olham-se. Engasgam palavras. Cada um mergulhado em silêncios abstractos. Deixam passar. Lá fora, milhões de formigas humanas, passam ininterruptamente agarradas aos casacos impermeáveis, como salvação do frio que esgarça a réstia de calor. Ouve-se o tilintar das chávenas. Os passos arrebatados na calçada. A máquina de café em som locomotiva –a-vapor.
– Todas histórias de amor deveriam ser breves.
- Como assim?
- Princípio, meio e fim.
- Mas isso tiraria os efeitos secundários.
- Por isso mesmo, não deveria haver. Já não temos idade para isso. E deveríamos saber quando seria a hora de deixar ir. Até que outro vício nos arrebatasse a alma.
- Beauvoir e Sartre viviam assim, separados, não só por princípio, mas porque não queriam ficar “estranhos” ao amor. À sensação de liberdade. Ou seja estrangeiros à vida.
- Nunca tinha pensado nisso. Mas não é disso que falo. Quero dizer: mais do que liberdade. Uma certa leveza que as histórias independentes nos dão, antes de se tornarem comuns. Com a idade deixamos de ter paciência para as histórias em comum e apenas nos satisfazemos na autonomia de um e outro, para cruzarmos, por vezes as experiências, as singularidades e, claro, aquilo que nos une. Como curiosos pela anatomia do outro.
- E à medida que deixares ir, vais agregando.
- Claro! Há dezenas de pessoas que te enchem a alma e que por decoro social não te permites estender a elas.
- Goethe falava disso ao falar do jovem Werther: “Nada melhor do que uma alma que se estende a nós”.
- Mas Werther era escravo da obsessão. Esses amores arrebatados são pesados e não libertam. É ainda mais sobre aquilo que dizes: quantos não se estendem a nós? Vê lá. Quantas pessoas já se estenderam a ti? Como se fossem, realmente, parte de ti?
- Três.
- E no final?
- Nenhuma.
- É isso. Perde-se a leveza com o desgaste. Não estamos ainda preparados para reinventar a paixão. E é nessa liberdade que nunca chegaremos lá. O encantamento é um vício que só se vive um momento em cada história. Se descobríssemos como reviver isso sem efeitos secundários, seríamos mais leves.
- O problema é que tudo é líquido. Não estamos preparados para partilhar. O que dizes é uma tentativa de fugires de ti.
- Nada! É a minha curiosidade pelos outros, e de achar que há sempre mais para viver. E que não temos de ficar presos a nada, a não ser à nossa liberdade de viver e olhar, exactamente como estamos preparados para ser.
O guardanapo voou. Caiu na calçada. Em segundos embebeu-se de chuva, que nunca tinha provado. Em segundos os passos apressados desfizeram-no. Em segundos respirou e voou. Viveu efémero. Um fôlego. Um rasgo.
Agora, as janelas das casas assobiam com rajadas de ares que trespassam os tecidos de Inverno colados aos corpos impreparados e arrepiados como rugas de pele de galinha. Eles não reparam. Olham-se. Engasgam palavras. Cada um mergulhado em silêncios abstractos. Deixam passar. Lá fora, milhões de formigas humanas, passam ininterruptamente agarradas aos casacos impermeáveis, como salvação do frio que esgarça a réstia de calor. Ouve-se o tilintar das chávenas. Os passos arrebatados na calçada. A máquina de café em som locomotiva –a-vapor.
– Todas histórias de amor deveriam ser breves.
- Como assim?
- Princípio, meio e fim.
- Mas isso tiraria os efeitos secundários.
- Por isso mesmo, não deveria haver. Já não temos idade para isso. E deveríamos saber quando seria a hora de deixar ir. Até que outro vício nos arrebatasse a alma.
- Beauvoir e Sartre viviam assim, separados, não só por princípio, mas porque não queriam ficar “estranhos” ao amor. À sensação de liberdade. Ou seja estrangeiros à vida.
- Nunca tinha pensado nisso. Mas não é disso que falo. Quero dizer: mais do que liberdade. Uma certa leveza que as histórias independentes nos dão, antes de se tornarem comuns. Com a idade deixamos de ter paciência para as histórias em comum e apenas nos satisfazemos na autonomia de um e outro, para cruzarmos, por vezes as experiências, as singularidades e, claro, aquilo que nos une. Como curiosos pela anatomia do outro.
- E à medida que deixares ir, vais agregando.
- Claro! Há dezenas de pessoas que te enchem a alma e que por decoro social não te permites estender a elas.
- Goethe falava disso ao falar do jovem Werther: “Nada melhor do que uma alma que se estende a nós”.
- Mas Werther era escravo da obsessão. Esses amores arrebatados são pesados e não libertam. É ainda mais sobre aquilo que dizes: quantos não se estendem a nós? Vê lá. Quantas pessoas já se estenderam a ti? Como se fossem, realmente, parte de ti?
- Três.
- E no final?
- Nenhuma.
- É isso. Perde-se a leveza com o desgaste. Não estamos ainda preparados para reinventar a paixão. E é nessa liberdade que nunca chegaremos lá. O encantamento é um vício que só se vive um momento em cada história. Se descobríssemos como reviver isso sem efeitos secundários, seríamos mais leves.
- O problema é que tudo é líquido. Não estamos preparados para partilhar. O que dizes é uma tentativa de fugires de ti.
- Nada! É a minha curiosidade pelos outros, e de achar que há sempre mais para viver. E que não temos de ficar presos a nada, a não ser à nossa liberdade de viver e olhar, exactamente como estamos preparados para ser.
O guardanapo voou. Caiu na calçada. Em segundos embebeu-se de chuva, que nunca tinha provado. Em segundos os passos apressados desfizeram-no. Em segundos respirou e voou. Viveu efémero. Um fôlego. Um rasgo.
Escorreguei no teu vinho...(Mais uma série de ficções)
A noite até começou molhada… Escorregadia. Mas longe de imaginar o que aconteceria depois. O deslize, esse. Ela dizia que era chuva oblíqua. Lembrei-me de Pessoa, o Fernando, que a descreve como rasgos desesperados da alma. O céu estava assim. Quase 22h e nós a olhar do alto do 11º andar. A cidade neste ciclo é uma mulher em pleno ataque de nervos, com overdose de TPM.
-Vais levá-la?
-Não, estás louca! Com este temporal. Tem de ficar na garagem. Esperamos lá em baixo que passe um táxi.
-Não, espera! Rua Monlevade, por favor. 15 minutos.
Aperta o botão. Aquele cheiro a madeira antiga andar a baixo, “click”.
-Vamos directas, melhor!
E esquecemo-nos do número. Só a Rua. Ali, na M.A. E o trânsito não tem solução. Pára-arranca na Paulista. Um verde-arranca que roça o vermelho-simbólico. Parados! E o taxista a insistir que eu era Corinthiana.
-E você, Palmeirense?
-São Paulino.
Entrou a "Portuguesa" ao barulho: o Clube. $ 13,70. 604. É este aqui!
-Viste as portas? Parece uma masmorra. Cárcere.
-É assim que vivem os paulistanos. Um dormir descansado enclausurado. É frio, sem nada. Paredes nuas.
Resgatamos o calor da casa. Na cozinha. E saltamos para o que importa: as caipirinhas, onde realmente começa a noite, e a sessão de abdominais louca-risada, remédio-malhação-perfeita-sem-grande-esforço-anfetaminas…
Ok, o sotaque estava lá. Ok, a camisinha dele até que tinha o ar da sua graça imigrante-geração-surf-eu-até-que-sou-jovem. E ok, as caipirinhas eram óptimas.
-Sabia que o morango é o fruto da paixão?
-Hum, sei! “Mas ‘passion fruit’ é a verdadeira e até que significa maracujá” – pensamento anulado segundos antes de cometer a heresia de dizer uma piada árida, quando a noite até tinha começado húmida.
-Eu conheço este senhor! (contaram a piada vezes sem conta a uns e outros que iam chegando, com sessões gratuitas de “la risada therapeuthique”, mas nunca encontramos a forma fidedigna de atingir a pureza e autenticidade da boca de onde saiu).
-Acho que já me foi apresentado! É director de uma empresa portuguesa qualquer. Espera, nem sei. Eu até achava que ele tinha sido contratado para fazer as caipirinhas.
“Laugh situation em OBS”: as piadas só têm realmente piada quando inseridas em determinado contexto… Excepção: esta terá sempre piada e quase iniciou um “sitcom-made-in-sampa”. Mas o rolê continuou. O B. está cá há dois meses. E D. resolveu dar uma lição a valer sobre como-comprar-bem-e-caro na Óscar Freire:
-“Querido, presta muita atenção na decoração das lojas. Isso é essencial aqui em São Paulo. Só assim você sabe se a loja é de qualidade, ou não. O mesmo está valendo para Restaurantes”.
Ao que F. se insurgiu em surdina, depois do relato:
-“Nisso tenho a teoria do meu pai: se o Restaurante estiver vazio, não entro. Nem que tenha de esperar na fila muito tempo, é lá que fico até encontrar um lugar à mesa”.
Já não sabemos é se essa conversa foi antes ou depois do diálogo astro-esotérico, com atendimento "Web-cam" desde o Brasil. E, depois aquela imagem: um metrossexual é sempre um ser esquisito digno das páginas da "National Geographic". Lá estava ele: Cintinho milimetricamente estudado para ser desalinhado. O mesmo para o cabelo. Um riso oco e sem vontade, mas aceite socialmente, diz a etiqueta. E tenho dúvidas se aquele discurso era real, fabricado ou improvisado-fajuto que todos fingiram acreditar.
A noite até nem ia nada mal, não fosse F. entornar vinho na cadeira alheia, M. começar com discurso pró-Serra, e G. (não o ponto, o Gajo) querer brindar aos portugueses com a namorada de L. de RG brasileiro (pior a emenda que o soneto):
-“Ah, pois não pode ser só um brinde aos portugueses, está aqui ela! Ok, brindemos, então: aos filhos dos portugueses”.
OOps!!! Fazendo com que a moça enrubescesse e L. emitisse biologicamente um engasgo controlado que passou para o olhar fulminante entre um “cala-te–lá-que-agora-é-que-me-vais-arranjar-problemas” e um "não-sei-que-te-faça-agora-se-estivéssemos-sozinhos".
De resto, não sabemos absolutamente nada do que se passou na antecâmara ao lado, as fontes não se manifestaram e não houve nada, realmente, NADA, que fosse estridente e mediático o suficiente para que tivéssemos reparado. Zoom in. Sala para onde interessa, com vista para a M.A.: M. estava a passar despercebido, como um pano molhado que suga vinho, depois da peleja pró-Serra que motivou uma conversa intelectual sobre o mercado brasileiro, até que, num surto psicótico,M., gajo, dá um beijinho na cara de L., Gajo, com a namorada ao lado - possivelmente a ponderar seriamente se valeria a pena ter filhos de portugueses.
-“Querido, faz uma vasectomia que é melhor, sempre pode sair alguém parecido com M.!”, pensaria!
Depois X. entediado, e com a lata de gelo na mão, disse que tinha de se ir embora pois no dia seguinte, intensa actividade física, seca - assegura - o esperava, na fazenda de alguém importante, que ninguém sabe que tem um caso com alguém proibido, depois de uma fotografia papparazzi ter vazado na internet. Sim, ninguém sabia até ali. O segredo está portanto muito bem guardado. Se agora me esqueço de algo é porque a minha religião não permite, não é digno de registo, ou a minha memória de mulher "pós-moderna", filtrou como deve de ser o que realmente não importa mais…
Next stop: J. Eugénio de Lima, mas antes uma incursão pedestre pela Óscar Freire – eu, herege, me confesso, porque que não prestei atenção à decoração interior das lojas, ainda que as luzes estivessem num momento “penumbra-by-light”.
Começou, depois, uma conversa escatológica sobre as razões de F. e A. quererem frequentar a JAL, antes do Charme e do glamour da Augusta. Mas a recepção da Eugénio veio a confirmar-se mais eficaz …. No canal erótico na recepção de A. e F. com cenas “Sado-maso” e "gajas boas" (acho que não eram de Ermesinde).
O Charme deu-me alucinações: parece que vi o Axel Rose, versão piorada e em plena crise adolescente; M. confessou ter o hábito de se levantar de madrugada para sugar tudo que existia de Fórmula 1 – (Convenhamos que há coisas piores, poderíamos não reparar na decoração da Óscar Freire). E mergulhei num estado de primeiro sono que quase me estragou a noite às 4h da manhã. O café intragável salvou-me a honra, para aquilo que seria, segundo F. e A., a minha real primeira vez, para roubar a virgindade de Augusta (olha que este também daria um título genial).
Foi então que nesse Vegas “huntz-tch-tch-puntz”, vimos o pai Natal sem barba "shaking-that-ass"; mexemos o corpo como quem leva pequenos choques e sai da maca para se sacudir ainda aturdido, como se o corpo regurgitasse em forma de espasmos; vimos o Pai-Natal novamente; a malta dancing queen no engate e a dançar como se os ombros se fossem desfazer percorrendo, liquidamente, as veias como ondas electromagnéticas que expelem pelos dedos; e vimos o Pai Natal a dançar de novo, desta vez num pára-arranca de quem quer andar mas não anda. Sem barba, já o disse? E nós ainda a abanar o corpo como adolescentes na sua primeira vez nas lides da noite, até ser dia. Sem o sabermos assim seria. Até que num vai escada-acima-escada-abaixo-escada-acima ficamos com a mania de dizer: o SOM-AQUI-É-SEMPRE-MUITO-BOM, mesmo que já o tenhamos dito nessa giga de cima-e-abaixo. “Click, blat”. Mais uma cerveja, o líquido âmbar que cai aveludado pela garganta depois de um primeiro teste na boca.
-Stella? Como é que pedes Stella Artois, aqui?
Ou ele estava bêbado, ou com surto de imersão antropológica a fazer trabalho de campo, e busca de respostas inusitadas, ainda às 5h da manhã, seriam? Mas o mais inusitado seria isto:
-O meu primo tem a mania de me apresentar pessoas a altas horas da matina, que não conseguem manter um diálogo e que certamente não se lembrarão de mim no dia seguinte!
Mas foi o primo, o lúcido, no passo seguinte. A. dixit:
-“Não se assustem, lá fora com o sol. Vai ser dia!”.
Dúvidas… E os óculos de sol imprescindíveis, quando ainda a música ia alta e a porta se abria assim, na escuridão do que seria ainda noite, para nos dar o dia…
-Este aqui é o D-Edge né? Vim de propósito aqui mostrar aos meus amigos este bar: o D-Edge né? Muito bom!
-Tá louco cara, aqui não é o da D-Edge não. Aqui é o Vegas. O D-Edge é lá na Barra Funda.
-A sério? Que bar horrível então. Legal é o da D-Edge.
Com este diálogo começaria portanto um novo capítulo nesta saga. Ebriedade. Ah, antes de chegarmos lá temos de passar em todos os botecos da rua.
-Ah, há um que é onde tem mais drogados. Isto é São Paulo. Perdon, una copa?
-Oi?
- Ah é muito legal aqui, com estes copos todos. Mal-educado, não tem sentido de humor. Bohemia ou Brahma?
-E tu? Não bebes nada. Ah fraquinha. Estás bem?
-Gente vamos embora. Aqui já deu o que tinha a dar. Então, bom dia, é isso! Ah, você é da Gol? Ah, TAM, muito bem. E você chora sempre que ele vai embora? E vai voar? Ah, não fala nisso não.
-Olha um pólo igual ao teu. Com crocrodilo, em preto. Boa? Na mesma loja.
-Ah, vá não me deixem para trás. Até fiquei com medo.
-Olhe, você é daqui do Savoy? Sabe quanto fica um quarto.
-Depende?
-Ah, para três? Oi? (Mãos devem ter deslizado no suado. O gole da saliva deve ter sido em seco. As pupilas dilataram e os olhos esbugaralham). Como assim? Ah é que a gente está sempre junto e só fazemos tudo os três. Não tem jeito. Mas você sabe quanto fica um quarto aqui para nós?
– Ah, para três é difícil, não dá não. É só para duas pessoas.
-E como a gente faz para três?
– Mas quanto tempo seria? Ah, até eu g...
(Glup, de novo, desta vez com um trago mal dado da saliva que saiu ácida e em velocidade azia. Ahhck).
-3 horas?
-Ih, você acha que três horas chegam?
Enquanto isso o segundo elemento contorcia-se de risos convulsivos encostado a uma parede e o terceiro elemento, que entretanto assistira a tudo em primeira fila, sem proferir uma palavra, ainda em estado de choque.
-Mas vai lá perguntar, talvez eles possam te ajudar. Vai lá, vai.
-Como você se chama? Valeu Tiago. (E o Tiago com certeza a partir de agora poderia brilhar no circuito das amizades com uma história assim transformada em piada que pareceu, afinal, ser muito séria.
Os próximos passos têm duas letras: BH… O mais famoso lugar da Seleta na Augusta. Para um prato feito às 8h da manhã e a destoar um suco de goiaba e uma salada de frutas do segundo elemento, entre o sei-lá-o-que-comerei-só-não-quero-arroz-e-batatas-logo-pela-manhã. Mas acabou por depenicar o arroz de A., que por sinal estava óptimo. A dar sinais de fraqueza o primeiro elemento, que entretanto ainda não tinha gozado, começa a baixar a cabeça, até que M. o cara do "não-não-não-não-não-tem-problema" chega com ar dúbio e desconcertado. E ainda tinha de rodar os olhos até uma qualquer cidade do interior porque era dia das mães e ele, afinal, ainda não tinha comprado a prenda que queria. Por esse andar talvez não comprasse nunca e usasse aquela resposta óbvia e obsoleta: você quer melhor prenda do que eu, seu filho? Ahhhh,pois então…
A. mostrava cada vez mais sinais de irritabilidade. Levantou-se de zás-final-é-agora e pagou. Nunca mais lhe sentimos o rasto. Restou uma mesa a dois. Uma salada de fruta inacabada, com banana. Arroz por comer. E a manhã ali tão alta… A Augusta assim é um antídoto contra a crise e onde o mundo se refugia para expiação. Céu, inferno, pecado e abolvição. Perdição engenhosa para cuidar das coisas da alma e da insónia. Anti-depressivo que se dissolve na alma, em vertigem de vícios irreparáveis, irreversíveis. A noite terminaria assim. Num começo de um dia. Com expiação.
P.S: Ah, é verdade! Escorreguei no teu vinho… A sapatilha ainda plissou no líquido frutado que se entranhou “no chão daquela varanda”… Oops! Olha, bem vistas as coisas esse poderia ser o título do livro! No chão daquele varanda… Quinky?
-Vais levá-la?
-Não, estás louca! Com este temporal. Tem de ficar na garagem. Esperamos lá em baixo que passe um táxi.
-Não, espera! Rua Monlevade, por favor. 15 minutos.
Aperta o botão. Aquele cheiro a madeira antiga andar a baixo, “click”.
-Vamos directas, melhor!
E esquecemo-nos do número. Só a Rua. Ali, na M.A. E o trânsito não tem solução. Pára-arranca na Paulista. Um verde-arranca que roça o vermelho-simbólico. Parados! E o taxista a insistir que eu era Corinthiana.
-E você, Palmeirense?
-São Paulino.
Entrou a "Portuguesa" ao barulho: o Clube. $ 13,70. 604. É este aqui!
-Viste as portas? Parece uma masmorra. Cárcere.
-É assim que vivem os paulistanos. Um dormir descansado enclausurado. É frio, sem nada. Paredes nuas.
Resgatamos o calor da casa. Na cozinha. E saltamos para o que importa: as caipirinhas, onde realmente começa a noite, e a sessão de abdominais louca-risada, remédio-malhação-perfeita-sem-grande-esforço-anfetaminas…
Ok, o sotaque estava lá. Ok, a camisinha dele até que tinha o ar da sua graça imigrante-geração-surf-eu-até-que-sou-jovem. E ok, as caipirinhas eram óptimas.
-Sabia que o morango é o fruto da paixão?
-Hum, sei! “Mas ‘passion fruit’ é a verdadeira e até que significa maracujá” – pensamento anulado segundos antes de cometer a heresia de dizer uma piada árida, quando a noite até tinha começado húmida.
-Eu conheço este senhor! (contaram a piada vezes sem conta a uns e outros que iam chegando, com sessões gratuitas de “la risada therapeuthique”, mas nunca encontramos a forma fidedigna de atingir a pureza e autenticidade da boca de onde saiu).
-Acho que já me foi apresentado! É director de uma empresa portuguesa qualquer. Espera, nem sei. Eu até achava que ele tinha sido contratado para fazer as caipirinhas.
“Laugh situation em OBS”: as piadas só têm realmente piada quando inseridas em determinado contexto… Excepção: esta terá sempre piada e quase iniciou um “sitcom-made-in-sampa”. Mas o rolê continuou. O B. está cá há dois meses. E D. resolveu dar uma lição a valer sobre como-comprar-bem-e-caro na Óscar Freire:
-“Querido, presta muita atenção na decoração das lojas. Isso é essencial aqui em São Paulo. Só assim você sabe se a loja é de qualidade, ou não. O mesmo está valendo para Restaurantes”.
Ao que F. se insurgiu em surdina, depois do relato:
-“Nisso tenho a teoria do meu pai: se o Restaurante estiver vazio, não entro. Nem que tenha de esperar na fila muito tempo, é lá que fico até encontrar um lugar à mesa”.
Já não sabemos é se essa conversa foi antes ou depois do diálogo astro-esotérico, com atendimento "Web-cam" desde o Brasil. E, depois aquela imagem: um metrossexual é sempre um ser esquisito digno das páginas da "National Geographic". Lá estava ele: Cintinho milimetricamente estudado para ser desalinhado. O mesmo para o cabelo. Um riso oco e sem vontade, mas aceite socialmente, diz a etiqueta. E tenho dúvidas se aquele discurso era real, fabricado ou improvisado-fajuto que todos fingiram acreditar.
A noite até nem ia nada mal, não fosse F. entornar vinho na cadeira alheia, M. começar com discurso pró-Serra, e G. (não o ponto, o Gajo) querer brindar aos portugueses com a namorada de L. de RG brasileiro (pior a emenda que o soneto):
-“Ah, pois não pode ser só um brinde aos portugueses, está aqui ela! Ok, brindemos, então: aos filhos dos portugueses”.
OOps!!! Fazendo com que a moça enrubescesse e L. emitisse biologicamente um engasgo controlado que passou para o olhar fulminante entre um “cala-te–lá-que-agora-é-que-me-vais-arranjar-problemas” e um "não-sei-que-te-faça-agora-se-estivéssemos-sozinhos".
De resto, não sabemos absolutamente nada do que se passou na antecâmara ao lado, as fontes não se manifestaram e não houve nada, realmente, NADA, que fosse estridente e mediático o suficiente para que tivéssemos reparado. Zoom in. Sala para onde interessa, com vista para a M.A.: M. estava a passar despercebido, como um pano molhado que suga vinho, depois da peleja pró-Serra que motivou uma conversa intelectual sobre o mercado brasileiro, até que, num surto psicótico,M., gajo, dá um beijinho na cara de L., Gajo, com a namorada ao lado - possivelmente a ponderar seriamente se valeria a pena ter filhos de portugueses.
-“Querido, faz uma vasectomia que é melhor, sempre pode sair alguém parecido com M.!”, pensaria!
Depois X. entediado, e com a lata de gelo na mão, disse que tinha de se ir embora pois no dia seguinte, intensa actividade física, seca - assegura - o esperava, na fazenda de alguém importante, que ninguém sabe que tem um caso com alguém proibido, depois de uma fotografia papparazzi ter vazado na internet. Sim, ninguém sabia até ali. O segredo está portanto muito bem guardado. Se agora me esqueço de algo é porque a minha religião não permite, não é digno de registo, ou a minha memória de mulher "pós-moderna", filtrou como deve de ser o que realmente não importa mais…
Next stop: J. Eugénio de Lima, mas antes uma incursão pedestre pela Óscar Freire – eu, herege, me confesso, porque que não prestei atenção à decoração interior das lojas, ainda que as luzes estivessem num momento “penumbra-by-light”.
Começou, depois, uma conversa escatológica sobre as razões de F. e A. quererem frequentar a JAL, antes do Charme e do glamour da Augusta. Mas a recepção da Eugénio veio a confirmar-se mais eficaz …. No canal erótico na recepção de A. e F. com cenas “Sado-maso” e "gajas boas" (acho que não eram de Ermesinde).
O Charme deu-me alucinações: parece que vi o Axel Rose, versão piorada e em plena crise adolescente; M. confessou ter o hábito de se levantar de madrugada para sugar tudo que existia de Fórmula 1 – (Convenhamos que há coisas piores, poderíamos não reparar na decoração da Óscar Freire). E mergulhei num estado de primeiro sono que quase me estragou a noite às 4h da manhã. O café intragável salvou-me a honra, para aquilo que seria, segundo F. e A., a minha real primeira vez, para roubar a virgindade de Augusta (olha que este também daria um título genial).
Foi então que nesse Vegas “huntz-tch-tch-puntz”, vimos o pai Natal sem barba "shaking-that-ass"; mexemos o corpo como quem leva pequenos choques e sai da maca para se sacudir ainda aturdido, como se o corpo regurgitasse em forma de espasmos; vimos o Pai-Natal novamente; a malta dancing queen no engate e a dançar como se os ombros se fossem desfazer percorrendo, liquidamente, as veias como ondas electromagnéticas que expelem pelos dedos; e vimos o Pai Natal a dançar de novo, desta vez num pára-arranca de quem quer andar mas não anda. Sem barba, já o disse? E nós ainda a abanar o corpo como adolescentes na sua primeira vez nas lides da noite, até ser dia. Sem o sabermos assim seria. Até que num vai escada-acima-escada-abaixo-escada-acima ficamos com a mania de dizer: o SOM-AQUI-É-SEMPRE-MUITO-BOM, mesmo que já o tenhamos dito nessa giga de cima-e-abaixo. “Click, blat”. Mais uma cerveja, o líquido âmbar que cai aveludado pela garganta depois de um primeiro teste na boca.
-Stella? Como é que pedes Stella Artois, aqui?
Ou ele estava bêbado, ou com surto de imersão antropológica a fazer trabalho de campo, e busca de respostas inusitadas, ainda às 5h da manhã, seriam? Mas o mais inusitado seria isto:
-O meu primo tem a mania de me apresentar pessoas a altas horas da matina, que não conseguem manter um diálogo e que certamente não se lembrarão de mim no dia seguinte!
Mas foi o primo, o lúcido, no passo seguinte. A. dixit:
-“Não se assustem, lá fora com o sol. Vai ser dia!”.
Dúvidas… E os óculos de sol imprescindíveis, quando ainda a música ia alta e a porta se abria assim, na escuridão do que seria ainda noite, para nos dar o dia…
-Este aqui é o D-Edge né? Vim de propósito aqui mostrar aos meus amigos este bar: o D-Edge né? Muito bom!
-Tá louco cara, aqui não é o da D-Edge não. Aqui é o Vegas. O D-Edge é lá na Barra Funda.
-A sério? Que bar horrível então. Legal é o da D-Edge.
Com este diálogo começaria portanto um novo capítulo nesta saga. Ebriedade. Ah, antes de chegarmos lá temos de passar em todos os botecos da rua.
-Ah, há um que é onde tem mais drogados. Isto é São Paulo. Perdon, una copa?
-Oi?
- Ah é muito legal aqui, com estes copos todos. Mal-educado, não tem sentido de humor. Bohemia ou Brahma?
-E tu? Não bebes nada. Ah fraquinha. Estás bem?
-Gente vamos embora. Aqui já deu o que tinha a dar. Então, bom dia, é isso! Ah, você é da Gol? Ah, TAM, muito bem. E você chora sempre que ele vai embora? E vai voar? Ah, não fala nisso não.
-Olha um pólo igual ao teu. Com crocrodilo, em preto. Boa? Na mesma loja.
-Ah, vá não me deixem para trás. Até fiquei com medo.
-Olhe, você é daqui do Savoy? Sabe quanto fica um quarto.
-Depende?
-Ah, para três? Oi? (Mãos devem ter deslizado no suado. O gole da saliva deve ter sido em seco. As pupilas dilataram e os olhos esbugaralham). Como assim? Ah é que a gente está sempre junto e só fazemos tudo os três. Não tem jeito. Mas você sabe quanto fica um quarto aqui para nós?
– Ah, para três é difícil, não dá não. É só para duas pessoas.
-E como a gente faz para três?
– Mas quanto tempo seria? Ah, até eu g...
(Glup, de novo, desta vez com um trago mal dado da saliva que saiu ácida e em velocidade azia. Ahhck).
-3 horas?
-Ih, você acha que três horas chegam?
Enquanto isso o segundo elemento contorcia-se de risos convulsivos encostado a uma parede e o terceiro elemento, que entretanto assistira a tudo em primeira fila, sem proferir uma palavra, ainda em estado de choque.
-Mas vai lá perguntar, talvez eles possam te ajudar. Vai lá, vai.
-Como você se chama? Valeu Tiago. (E o Tiago com certeza a partir de agora poderia brilhar no circuito das amizades com uma história assim transformada em piada que pareceu, afinal, ser muito séria.
Os próximos passos têm duas letras: BH… O mais famoso lugar da Seleta na Augusta. Para um prato feito às 8h da manhã e a destoar um suco de goiaba e uma salada de frutas do segundo elemento, entre o sei-lá-o-que-comerei-só-não-quero-arroz-e-batatas-logo-pela-manhã. Mas acabou por depenicar o arroz de A., que por sinal estava óptimo. A dar sinais de fraqueza o primeiro elemento, que entretanto ainda não tinha gozado, começa a baixar a cabeça, até que M. o cara do "não-não-não-não-não-tem-problema" chega com ar dúbio e desconcertado. E ainda tinha de rodar os olhos até uma qualquer cidade do interior porque era dia das mães e ele, afinal, ainda não tinha comprado a prenda que queria. Por esse andar talvez não comprasse nunca e usasse aquela resposta óbvia e obsoleta: você quer melhor prenda do que eu, seu filho? Ahhhh,pois então…
A. mostrava cada vez mais sinais de irritabilidade. Levantou-se de zás-final-é-agora e pagou. Nunca mais lhe sentimos o rasto. Restou uma mesa a dois. Uma salada de fruta inacabada, com banana. Arroz por comer. E a manhã ali tão alta… A Augusta assim é um antídoto contra a crise e onde o mundo se refugia para expiação. Céu, inferno, pecado e abolvição. Perdição engenhosa para cuidar das coisas da alma e da insónia. Anti-depressivo que se dissolve na alma, em vertigem de vícios irreparáveis, irreversíveis. A noite terminaria assim. Num começo de um dia. Com expiação.
P.S: Ah, é verdade! Escorreguei no teu vinho… A sapatilha ainda plissou no líquido frutado que se entranhou “no chão daquela varanda”… Oops! Olha, bem vistas as coisas esse poderia ser o título do livro! No chão daquele varanda… Quinky?
terça-feira, junho 09, 2009
quinta-feira, junho 04, 2009
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