quarta-feira, agosto 29, 2007

quinta-feira, agosto 16, 2007

Contrastes

De manhã estava de tacão alto, maquilhada e calcorreva por entre os barulhos de trânsito e restaurantes requintados.
Ao fim do dia, calcei as sapatilhas, vesti calças de ganga coçadas e levei o meu olhar para vivenciar um sarau literário na zona sul de São Paulo - naquela que é considerado uma das áreas mais perigosas e degradadas da cidade de São Paulo. A verdade é que perigoso perigoso são as palavras que lá disseram. Quando as pessoas se põem a pensar é isso que dá - talvez para tirar a máscara de muitos estereótipos que nos fazem engolir. "Aqui o silêncio é prece" e "as palavras quebram vidraças".

quinta-feira, agosto 09, 2007

Via São Paulo

-“Vai entrar?”
O velho sempre ciranda pelo autocarro. “Czum, czum!”. Arrasta os pés. Assim: de jeito desengonçado, malcheiroso. Cabelo amarelado do pente fino, empoeirado da prateleira remelenta e fétida da lavanda bolorenta, essa do frasco carcomido pelo sol da janela. Sempre pela luz da manhã.
É rabugento com quem não quer passar o torniquete, porque o transporte está cheio; apinhado de suor (deste, daquele; da mulher de camisola azul, do rapaz de blusa verde, da velha de saia branca). O que mais há: lotação de impaciência. Estão todos impreparados para o jogo de cintura vai, cintura vem; do roça-roça-que-quero passar! (ou pelo menos tentam; não há como tentar!).
Ele vai. Vem! Acotovela toda a gente. Empurra os corpos como se empurram peluches gigantes em lojas de brinquedos. Somos brinquedos, ora aí está! Chega, aos pouquinhos, o corpo mais para o lado. Para cima da rapariga. Calca os sacos do chão, às trapalhadas. O autocarro sacode. Passa uma lomba.
Encosta o cheiro nauseabundo ao corpo dela. “Zás”!: está já colada à mulher do outro lado. Efeito sanduíche!
-“Importa-se de se segurar do outro lado, que tem mais espaço. Você tá me machucando e esmagando, senhor”!
- “Porra, que ninguém chega pra lá neste ônibus”
- O senhor não ta vendo que não tem espaço”!
-“Que se arrumem todos para lá!”
Ele passa. Empurra toda a gente. Sim: com aquele cheiro pestilento. Um mijo ressequido. Cheiro seco, amargo. Os lençóis velhos passaram para ele o mofo. Blusa laranja-algodão suja nas pontas. Salpicada de uma gelatina qualquer. É melhor nem saber. Ou quem sabe: pode ajudar a entender a história.
-“Vai passar?”

quarta-feira, agosto 01, 2007

Choque térmico

Há dois dias ouvia-se em bom sotaque Português do Brasil:
- "Hoje dormi com dois pares de calças de pijama. `Meu´, está um frio! E o problema é que as casas já não estão preparadas para estas temperaturas. Tô usando ceroula direto!";
-"Fui nas lojas ´Americanas´ e me disseram que às cinco da tarde os aquecedores iam chegar. São sete da tarde. Passei por lá agorinha mesmo. Cês acreditam que esgotou na hora. Não havia mais aquecedores ´prá´ ninguém!";
Hoje, o termómetro subiu de seis para 19 graus. O cobrador estava de t-shirt. As miúdas na rua já mostravam a barriga com tops reduzidos. O vendedor da esquina - que anteontem, usara cachecol e blusão de penas, gorro, luvas - mostrava os ombros ao sol mais ou menos quente que tomou conta de São Paulo esta manhã ("Basta um raiozinho que a galera já vai saindo mostrando o corpo"). Eu, ainda não conformada com o choque térmico, levei o meu cachecol a passear, vestindo meia calça por baixo da ganga e um casaco de lã - não vá o tempo mudar, assim, de novo, da noite para o dia.