Poderia este texto relacionar-se com a ordem dos dias, falando de política, ocupando-se das notícias e das inquietações da Feira da Ladra em que se tornou a arena pública em Portugal. Poderia. Mas impuseram-se as conversas de um Domingo de sol dourado, como a querer despedir-se do Inverno, porque o olor a magnólias e orquídeas já entra assim pelas narinas. Toda uma sinfonia. Poderia, e eu nem sequer pensaria escrever este texto num domingo à tarde, não fosse o senhor Manuel, homem de mãos tremidas, herança de Parkinson, servindo chávenas de café, falar-me de gatunagem e solidão.
Tudo começa com o desabafo:
- O meu melhor cliente de whiskey e aguardente deixou de beber. Era um bom cliente, daqueles de deixar dez a doze euros por semana. Agora com o Glaucoma que lhe detectaram só pede água e café, já me avisou. O dinheiro já não é muito, mas eu não faço isto por lucro. Não fosse a vontade de passar o tempo, eu nem abria o café ao domingo. É só gatunagem. Olhe ainda a semana passada, deviam vir da noite, desses discotecas, uns três mandriões, chegaram aqui às oito da manhã, pediram cafés e um deles caminhou até ao fundo do café, voltou e disse: 'Mas aqui não há nada para roubar!' Pediram que colocasse um cheirinho de whiskey no café e eu recusei, foram-se embora e não pagaram. Menos mal. Pior foi depois: veio um sujeito, pediu-me duas tostas mistas, um queque, duas meias de leite e um maço de cigarros. Na hora de pagar revistou os bolsos todos e fez de conta que se tinha esquecido da carteira. Eu agarrei o maço de cigarros para não ter o prejuízo todo e ele foi-se embora. Não apareceu até agora. Lá se foram sete euros do meu bolso. E é isto. Há tantas histórias. Não fosse a vontade de matar a solidão não me sujeitava a isto. Mas ainda é melhor do que ficar em casa a ver o dia envelhecer.
Tudo começa com o desabafo:
- O meu melhor cliente de whiskey e aguardente deixou de beber. Era um bom cliente, daqueles de deixar dez a doze euros por semana. Agora com o Glaucoma que lhe detectaram só pede água e café, já me avisou. O dinheiro já não é muito, mas eu não faço isto por lucro. Não fosse a vontade de passar o tempo, eu nem abria o café ao domingo. É só gatunagem. Olhe ainda a semana passada, deviam vir da noite, desses discotecas, uns três mandriões, chegaram aqui às oito da manhã, pediram cafés e um deles caminhou até ao fundo do café, voltou e disse: 'Mas aqui não há nada para roubar!' Pediram que colocasse um cheirinho de whiskey no café e eu recusei, foram-se embora e não pagaram. Menos mal. Pior foi depois: veio um sujeito, pediu-me duas tostas mistas, um queque, duas meias de leite e um maço de cigarros. Na hora de pagar revistou os bolsos todos e fez de conta que se tinha esquecido da carteira. Eu agarrei o maço de cigarros para não ter o prejuízo todo e ele foi-se embora. Não apareceu até agora. Lá se foram sete euros do meu bolso. E é isto. Há tantas histórias. Não fosse a vontade de matar a solidão não me sujeitava a isto. Mas ainda é melhor do que ficar em casa a ver o dia envelhecer.